Muitos devem lembrar o caso do sujeito
que entrou armado com uma metralhadora em um cinema em São Paulo e saiu
atirando a esmo contra a plateia. Pois é. No cinema havia 66 espectadores, três
deles morreram e quatro ficaram feridos.
Imagem meramente ilustrativa
O
caso foi julgado pelo Tribunal do Júri, sendo o acusado condenado à pena de 110
anos de reclusão em regime integralmente fechado (na época esse regime ainda não
havia sido declarado inconstitucional). A juíza Presidente do Tribunal do Júri
entendeu que os crimes foram cometidos em concurso material, ou seja, o agente
teria praticado os delitos mediante mais de uma ação ou omissão. Quando assim
ocorre, as penas são somadas, como determina o artigo 69 do Código Penal.
A
defesa recorreu alegando não se tratar de concurso material, mas sim de
concurso formal próprio (quando o agente pratica apenas uma ação e dela
resultam dois ou mais crimes), situação em que a pena deveria ser drasticamente
reduzida, pois o critério deixa de ser o da soma das penas de cada crime,
devendo o juiz aplicar somente a pena do crime mais grave e aumentá-la de 1/6
até 1/2.
O
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) acolheu o recurso da defesa, reduzindo
a pena para 48 anos de prisão. A fundamentação apresentada pelo TJ/SP foi no
sentido de que houve apenas um comportamento: o agente não escolheu vítimas,
apenas saiu atirando aleatoriamente. Um importante elemento que levou a essa conclusão
foi a marca de tiros nas paredes e nos assentos vazios. Assim, o TJ/SP entendeu
inconcebível o reconhecimento do concurso material ou do concurso formal impróprio,
no qual embora haja apenas um comportamento, há desígnios autônomos na prática
dos crimes (com apenas uma ação o agente veicula “intenções criminosas”
diversas), caso em que as penas também seriam somadas, tal como no concurso
material.
O
Ministério Público recorreu ao STJ. Todavia, em sede de recurso especial não há
como reavaliar as provas, o julgamento é apenas sobre questões de Direito
(súmula 7/STJ), motivo pelo qual não pôde ser reapreciada a questão de ser caso
de concurso material ou de concurso formal (próprio ou impróprio), mantendo-se
o entendimento do TJ/SP, com a pena fixada em 48 anos de reclusão.
A
inovação através do recurso especial foi apenas a da adaptação do regime de
cumprimento de pena, que até então estava fixado em integralmente fechado. Tendo
em vista já ter o STF firmado entendimento pela inconstitucionalidade do regime
integral (o que gerou, na sequência, alteração legislativa mais benéfica ao
condenado), o STJ concedeu Habeas Corpus
de ofício para fixar o regime em “inicialmente” fechado, e não mais em “integralmente”.
Pois
bem...
Vocês
concordam que o caso é realmente o de um concurso formal próprio (como decidiu
o TJ/SP) ou é possível afirmar que havia “vontades autônomas” na produção dos resultados?
Os “desígnios autônomos” do artigo 70 do Código Penal exigem dolo direto de
produzir os resultados ou bastaria o dolo eventual?
Alguém quer dar o seu pitaco?
Link para a notícia completa e para
o acórdão, publicados hoje no site do STJ:
Informativo 505 do STJ veio, posteriormente, trazer a resposta:
ResponderExcluirDIREITO PENAL. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. DOLO EVENTUAL. Os desígnios autônomos que caracterizam o concurso formal impróprio referem-se a qualquer forma de dolo, direto ou eventual. A segunda parte do art. 70 do CP, ao dispor sobre o concurso formal impróprio, exige, para sua incidência, que haja desígnios autônomos, ou seja, a intenção de praticar ambos os delitos. O dolo eventual também representa essa vontade do agente, visto que, mesmo não desejando diretamente a ocorrência de um segundo resultado, aceitou-o. Assim, quando, mediante uma só ação, o agente deseja mais de um resultado ou aceita o risco de produzi-lo, devem ser aplicadas as penas cumulativamente, afastando-se a regra do concurso formal perfeito. Precedentes citados do STF: HC 73.548-SP, DJ 17/5/1996; e do STJ: REsp 138.557-DF, DJ 10/6/2002. HC 191.490-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/9/2012.