Conforme
decisão veiculada hoje, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São
Paulo decidiu, por maioria, que condenação por porte de drogas para uso pessoal
(art. 28 da Lei 11.343/06) não gera reincidência.
No
caso, o Juiz de Direito, ao julgar a prática de crime de tráfico de drogas
(art. 33 da Lei 11.343/06), negou ao réu o benefício do artigo 33, §4º da Lei
11.343/06 por entender que ele não era mais primário, já que carregava uma condenação
pretérita por porte de drogas.
Em
grau de apelação, o TJ/SP reformou a decisão ao fundamento de que o crime
anterior de porte de drogas não é apto a gerar reincidência. Assim, o condenado
por crime de tráfico poderia ser considerado tecnicamente primário, para fins
do artigo 33, §4º da Lei 11.343/06, ainda que já anteriormente condenado pelo
porte.
Dentre
os argumentos apresentados pelos Desembargadores, cito os que me pareceram mais
relevantes:
- Evolução legislativa: A Lei 11.343/06 inaugurou um novo tratamento jurídico aos usuários de drogas. Houve uma quebra de paradigma, trazendo uma situação mais benéfica ao réu. Antes, a pena para o “uso” de drogas era de detenção de seis meses a dois anos, além de multa. Hoje, não há mais possibilidade de prisão ao usuário (embora a conduta siga tendo natureza delituosa, conforme ratificado pelo STF – RE430105), aplicando-se apenas medidas alternativas: advertência, prestação de serviços, medidas educativas.
- O infrator do artigo 28 da Lei de Drogas não é mais considerado pela lei como um deliquente a ser reprimido, mas sim como um doente a ser tratado.
- A lei não prevê nenhuma possibilidade de as medidas alternativas aplicadas ao usuário serem convertidas em pena privativa de liberdade.
- A Lei 11.343/06 é posterior à Parte Geral do Código Penal, que trata da reincidência. Logo, a nova lei especial pode excepcionar a lei anterior geral.
- A sanção dada à infração do artigo 28 da Lei de Drogas é de nítido caráter recuado do poder punitivo, o que não se coaduna com o instituto da reincidência, o qual representa uma maior censura ao crime praticado, aumentando a punição.
- Proporcionalidade: Uma contravenção penal anterior não gera a agravante da reincidência na prática de crime. Contravenção penal é punível com pena de prisão simples ou multa. O artigo 28 da Lei de Drogas sequer prevê pena de prisão. Assim, se quem pratica uma contravenção penal e depois um crime é considerado primário (situação mais grave), é desproporcional que quem pratique a infração penal do artigo 28 e depois um crime (situação menos grave) seja reincidente.
- Se a nova lei trata o usuário como um sujeito que merece tratamento e não como um deliquente que merece pena (de prisão), não se pode, posteriormente, fazer com que a prática do porte de drogas implique sanção, o que ocorreria ao agravar a pena do crime posterior.
- Direito Comparado: Em Portugal, a reincidência só surte efeito em crimes que tenham sido punidos com pena de prisão efetiva por mais de 6 meses.
Extraí apenas os principais
pontos do julgado. Para acessar o acórdão completo, o número da Apelação é 0009781-64.2010.8.26.0400
do TJ/SP.
Breve
comentário meu:
Os
argumentos jurídicos são excelentes. Ainda estou refletindo sobre o caso (até
porque tive acesso ao julgado hoje), mas – em primeira análise – considero coerente
a decisão do TJ/SP, capaz de me convencer de que a agravante da reincidência
realmente não deveria ser aplicada no caso julgado.
Sei
que não é aumentando a pena pela reincidência que irá resolver o problema do
tráfico de drogas (antes fosse tão simples assim), mas talvez tenhamos que repensar
essa visão tão “terapêutica” do artigo 28 da nova lei de drogas que cria “um regime de fadas
para ser aplicado em uma realidade de bruxas”.
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