Processo
nº:
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011/2.09.0004xxx-8
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Natureza:
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Porte de Arma
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Autor:
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Justiça Pública
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Réu:
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Maria A.P.S.
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Juiz
Prolator:
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Juiz de Direito - Dr. Ricardo Luiz da Costa Tjader
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Data:
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20/01/2012
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Vistos e examinadas estes autos, relato.
MARIA A.P.S., 68 anos de idade na data do fato,
foi denunciada pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO
por ter violado ao disposto no art. 16, parágrafo,
inc. IV da Lei nº 10.826/03.
Consta na denúncia que no dia 09/10/09, na rua
Tupiniquins, nº 495, a denunciada possuía uma arma de fogo, garrucha, calibre
0.40, sem marca aparente, com numeração raspada, acabamento oxidado desgastado,
em mau estado de conservação, municiada com 2 cartuchos calibre .38. Esses
objetos foram encontrados na residência da ré, embaixo de um colchão, durante o
cumprimento de mandado de busca e apreensão. Perícia comprovou a eficácia da
arma e da munição apreendidas.
A denúncia foi recebida em 06/08/10 (fl. 43).
A ré respondeu à acusação (fls. 45ss). Negou o
fato.
Foi realizada audiência (fls. 60ss), sendo os
depoimentos prestados reproduzidos a partir da fl. 62.
O Ministério Público apresentou alegações escritas
a partir da fl. 71. Disse estarem provadas a materialidade e a autoria e,
analisando a prova oral colhida, concluiu pela condenação da ré nos termos da
denúncia. Acrescentou que independentemente de se tratar de arma de uso
permitido, restrito ou proibido, o fato de possuir número de identificação
raspado insere o fato nas disposições do art. 16 da Lei nº 10.826/03. Requereu
a condenação.
A defesa apresentou memoriais (fls. 78ss). Disse
ser inaproveitável a prova colhida no inquérito. Disse faltar dolo na conduta
da ré, e que os depoimentos de policiais não podem ser levados em conta,
faltando também prova incriminadora. Afirmou ainda que a conduta da acusada não
causou risco à sociedade. Disse que o fato narrado se ajusta ao tipo penal do
art. 14 da Lei nº 10.826, e não ao art. 16, somente aplicável aos casos em que
arma de uso não permitido teve a numeração raspada. Em caso de condenação,
requereu fosse a pena aplicada no mínimo, com incidência das atenuantes
previstas no art. 65, I, II e III, d, do Código Penal.
Relatado, passo a fundamentar.
A materialidade do fato descrito na denúncia se
acha demonstrada através do relatório do mandado de busca e apreensão de fl.
10vs, no auto de apreensão de fl. 12 e nos Laudos Periciais de fls. 32ss e
38ss. A autoria vem igualmente demonstrada, com complementos na prova oral
colhida.
A testemunha SÉRGIO, em seu depoimento de fl. 65,
disse que no cumprimento de mandado de busca e apreensão de arma de fogo na
residência da denunciada, ele localizou a arma apreendida sob um colchão no
quarto que a ré alegou ser o seu. Disse ainda que a arma estava municiada com
dois cartuchos, e que a ré afirmou que a arma lhe pertencia.
ADELAR, nas fls. 66ss, disse que a arma apreendida
na residência da ré pertencia ao filho dela, falecido já há algum tempo. Disse
que soube da apreensão da arma na residência da ré em razão da movimentação da
polícia, pois é vizinho, e que somente soube da existência da arma porque o
filho de dona MARIA certa vez lhe disse que possuía uma arma. O filho de MARIA
residia em uma casa ao lado da casa da denunciada, no mesmo terreno, casa essa
que “ficou“ para a ré quando ele faleceu.
A ré, a seu turno (fls. 67ss), disse que a arma
apreendida em sua casa pertencia ao seu filho JOSÉ, falecido há cerca de dois
anos. Depois do falecimento do filho, quando decidiu desmanchar a casa onde ele
morava, que fica no mesmo terreno da sua casa, decidiu recolher as suas coisas,
dentre as quais essa arma. Disse que apenas a recolheu e guardou sob o colchão,
nunca a tendo utilizado, pois não sabe nem pegar na mesma ou como se atira.
Para ela não passava de um pedaço de ferro. Disse que a arma jamais saiu da sua
casa. Sustentou desconhecer a obrigatoriedade de registrar ou entregar armas à
polícia, e que nunca ninguém lhe disse que deveria registrar a arma; pensou que
não fazia mal guardar a arma, pois nunca “puxou” prá ninguém, nunca brigou,
nunca matou ninguém, nunca tirou para fora de casa, nunca mais mexeu na arma.
Do jeito que estava lá na casa de seu filho, guardou embaixo do colchão, e ali
continuava. Quando a polícia chegou em sua casa com o mandado de busca e
apreensão, franqueou a entrada e permitiu que procurassem, e somente não disse
onde estava a arma porque não lhe foi perguntado; se tivessem perguntado, teria
dito.
O primeiro destinatário da sentença é o acusado. Na
medida do possível as sentenças judiciais devem ser redigidas de uma forma que
o cidadão possa compreendê-las, o que se faz especialmente relevante no caso
dos autos, onde a ré é uma senhora idosa, que na data do fato tinha 68 anos de
idade, e hoje já está com 71. Em seu depoimento demonstrou ser portadora de uma
simplicidade muito comum para pessoas da sua idade e da sua condição social
que, segundo revelou, não é lá das melhores, pois mora em uma casinha simples,
de chão batido. Mal sabe assinar o nome.
Então, a fim de facilitar a sua compreensão, nos
parágrafos seguintes vou procurar ser o mais claro possível, permitindo que a
dona MARIA compreenda tudo o que está sendo dito:
Pois é, Dona MARIA: agora é proibido guardar arma
em casa. Se quiser possuir arma de fogo tem que ir na Polícia Federal com uma
série de documentos e provar que realmente precisa de uma arma. Daí o Delegado
vai analisar o caso e, se achar possível, irá permitir que a Senhora adquira
uma, mas antes tem que fazer um curso prá aprender a manusear e atirar, até
porque, se não, nem adianta ter arma em casa.
Nem mesmo como lembrança do seu falecido filho a
senhora pode manter essa arma guardada, e também não faz diferença nenhuma se a
senhora guarda essa arma embaixo de um colchão e não pretende utilizá-la, se
não briga com ninguém e nem sabe atirar. Dizem que é assim porque mesmo uma
arma que fique guardada um dia pode acabar caindo na mão de um criminoso, e
então o governo quer diminuir o número de armas nas mãos do povo, prá ver se
diminui a criminalidade.
No seu caso, porém, tem um detalhe: A arma que era
do seu filho foi apreendida na sua casa no dia 09/10/09, e nesse dia já estava
em vigor uma lei que prorrogou o prazo para que a Senhora fosse até a polícia
regularizar a posse da arma. Só para a senhora saber, trata-se da Lei nº
11.922/09, que modificou o art. 30 da Lei nº 10.826/03 que, as duas juntas,
estabeleciam que o cidadão teria até o dia 31/12/2009 para registrar as armas
que tinha em casa.
Então, mesmo que a senhora tenha dito que nem sabia
que precisava regularizar a arma, a verdade é que no dia em que ela foi
encontrada na sua casa, por alto, a senhora não tava cometendo crime nenhum,
porque ninguém pode garantir que nos dois meses que a senhora ainda teria para
regularizar a situação a senhora não viria a ser informada, e procedesse de
acordo com a Lei, providenciando o registro ou até mesmo entregando a arma para
a Polícia, já que a senhora falou que não tinha intenção nenhuma de usá-la.
Só tem um probleminha. É que falaram que a arma do
seu filho tava com a numeração raspada, então mesmo que a senhora quisesse não
teria como regularizá-la, pois armas assim são proibidas. Mas isso não é um
problema tão grande, porque mesmo assim a senhora podia entregá-la para a
Polícia sem nenhuma dificuldade.
Além do mais, os peritos lá de Porto Alegre que
examinaram a sua arma (fls. 32ss), não disseram que ela estava com a numeração
raspada. Na verdade, eles disseram “que se trata mais provavelmente de uma arma
artesanal”, e armas artesanais obviamente não possuem numeração. Esses mesmos
peritos também disseram que a sua arma “aparentemente” era do calibre .38
longo, uma arma que é permitida. Eles disseram que ela podia usar munição do
calibre .357 Magnum, mas além de não ser essa a munição que tinha na arma no
dia que apreenderam, a lei que trata desse assunto diz que são de uso restrito “armas de fogo curtas, cuja munição comum
tenha, na saída do cano, energia superior a (trezentas libras-pé ou
quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .357
Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum, .45 Colt e
.45 Auto”. Mas os peritos nem testaram com essa munição, e nem com os
cartuchos que estavam nela, porque ficaram com medo (“devido ao risco para o atirador”), pois a arma era muito velha.
Então podia até ser que coubesse, mas essa não era
a munição “comum” (em direito costumamos partir do pressuposto de que a lei não
possui palavras desnecessárias) da sua arma, tanto que os peritos disseram que
‘provavelmente’ ela era uma arma calibre .38, e estava municiada com munição
.38.
E lá nas fls. 38ss, outra equipe de peritos disse
apenas que “ao exame visual macroscópico
e/ou com auxílio de instrumento ótico na arma em questão, não foi constatado a
gravação do número de série”. Eles também deram uma examinadinha nas “regiões normalmente destinadas à gravação
do número de série”, mas não acharam nada que indicasse que havia ali algum
número gravado (fl.39).
Então, não tem nenhuma prova no processo de que a
arma que a senhora estava guardando estava com a numeração raspada.
Sendo assim, Dona Maria, foi por pouco, já que a
senhora tinha apenas mais um mês e uns dias para entregar a sua arma para a
Polícia, mas tenho que lhe dizer que na verdade a senhora não cometeu crime
nenhum.
Só tem uma coisinha: Eu não vou poder mandar lhe
devolver a arma, porque agora já não dá mais para regularizá-la, pois o prazo terminou
no dia 31/12/09. Além disso, mesmo que desse tempo, a senhora não iria poder
regularizá-la, pois para que isso aconteça é preciso que a arma tenha uma
numeração de fábrica, e a sua não tem. A senhora vai ter que ficar com outras
coisas de lembrança do JOSÉ.
Outra coisinha: não dê bola para o que o JOÃO
CARLOS falou na audiência (fls. 62ss). Tá na cara que ele só disse que a
senhora, com seus quase setenta anos o tinha ameaçado com arma de fogo porque
andava de birra com a sua filha. Eu acho até que foi só por isso que ele pediu
para a Polícia ir lá na sua casa, mas isso já não vem mais ao caso.
Pelo exposto,
ABSOLVO MARIA A.P.S das imputações lançadas na denúncia, nos termos do
art. 386, inc. III do Código de Processo Penal.
Custas pelo Estado.
Transitada em
julgado a sentença, preencha-se e envie-se o boletim estatístico.
Registre-se a
sentença.
Intimem-se.
Cumprido,
arquive-se com baixa.
Cruz Alta,
20 de janeiro de 2012.
Juiz de
Direito
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