Entrevista com Vera Malaguti Batista
Para a socióloga Vera Malaguti Batista, professora
de Criminologia da
Universidade Cândido Mendes, há um equívoco em relacionar a “questão
criminal com a pobreza.” Em sua opinião, essa proposição se coloca de uma
maneira “quase ofensiva à pobreza. É como se a pobreza produzisse a
criminalidade. Quem trabalha na perspectiva da criminologia crítica costuma
dizer que a pobreza é criminalizada.” As opiniões foram dadas por telefone,
em entrevista à IHU On-Line.
Universidade Cândido Mendes, há um equívoco em relacionar a “questão
criminal com a pobreza.” Em sua opinião, essa proposição se coloca de uma
maneira “quase ofensiva à pobreza. É como se a pobreza produzisse a
criminalidade. Quem trabalha na perspectiva da criminologia crítica costuma
dizer que a pobreza é criminalizada.” As opiniões foram dadas por telefone,
em entrevista à IHU On-Line.
Batista é graduada em Ciências Políticas e Sociais
pela PUC-Rio e em
Sociologia com Menção em Metodologia pela Universidade Nacional Autônoma de
Heredia, na Costa Rica. Cursou mestrado em História pela Universidade
Federal Fluminense (UFF) com a dissertação Difíceis ganhos fáceis – drogas e
juventude pobre no Rio de Janeiro, publicada pelo Instituto Carioca de
Criminologia (ICC) em 1998. Doutorou-se pela UERJ com a tese O medo na
cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história, publicada pela
editora Revan, do Rio de Janeiro, em 2003. Atualmente Batista é membro do
conselho superior do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a
Prevenção do Delito (ILANUD) e do ICC.
Sociologia com Menção em Metodologia pela Universidade Nacional Autônoma de
Heredia, na Costa Rica. Cursou mestrado em História pela Universidade
Federal Fluminense (UFF) com a dissertação Difíceis ganhos fáceis – drogas e
juventude pobre no Rio de Janeiro, publicada pelo Instituto Carioca de
Criminologia (ICC) em 1998. Doutorou-se pela UERJ com a tese O medo na
cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história, publicada pela
editora Revan, do Rio de Janeiro, em 2003. Atualmente Batista é membro do
conselho superior do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a
Prevenção do Delito (ILANUD) e do ICC.
IHU On-Line - Em entrevista concedida ao sítio A
nova democracia a senhora
diz que “não é que a pobreza produza criminalidade; a pobreza é
criminalizada”. O que exatamente isso significa?
diz que “não é que a pobreza produza criminalidade; a pobreza é
criminalizada”. O que exatamente isso significa?
Vera Malaguti Batista - Às vezes, há uma falsa
posição que relaciona a
questão criminal com a miséria e a pobreza. Os mais conservadores fazem essa
associação, e isso fica equacionado de uma forma quase ofensiva à pobreza. É
como se a pobreza produzisse a criminalidade. Quem trabalha na perspectiva
da criminologia crítica costuma dizer que a pobreza é criminalizada. Abordo
isso na minha dissertação de mestrado que foi publicada com o título
Difíceis Ganhos Fáceis: droga e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2. ed.
Rio de Janeiro: Revan, 2003. A pesquisa foi feita por meio da análise
histórica dos processos em que adolescentes são presos por problemas
relacionados às drogas e mostrou a diferença com que o sistema tratava os
meninos dependendo da origem social, étnica e do local de moradia. Uma das
conclusões a que cheguei é que a diferenciação no tratamento não está
relacionada à droga em si, mas aos meninos. Essa seria uma estratégia de
controle dessa juventude popular. A nossa política criminal de drogas é só
mais uma parte de uma história de criminalizações. Capoeira, samba e funk no
Rio de Janeiro são manifestações culturais criadas nas favelas sobre as
quais é lançado um olhar preconceituoso e criminalizante.
questão criminal com a miséria e a pobreza. Os mais conservadores fazem essa
associação, e isso fica equacionado de uma forma quase ofensiva à pobreza. É
como se a pobreza produzisse a criminalidade. Quem trabalha na perspectiva
da criminologia crítica costuma dizer que a pobreza é criminalizada. Abordo
isso na minha dissertação de mestrado que foi publicada com o título
Difíceis Ganhos Fáceis: droga e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2. ed.
Rio de Janeiro: Revan, 2003. A pesquisa foi feita por meio da análise
histórica dos processos em que adolescentes são presos por problemas
relacionados às drogas e mostrou a diferença com que o sistema tratava os
meninos dependendo da origem social, étnica e do local de moradia. Uma das
conclusões a que cheguei é que a diferenciação no tratamento não está
relacionada à droga em si, mas aos meninos. Essa seria uma estratégia de
controle dessa juventude popular. A nossa política criminal de drogas é só
mais uma parte de uma história de criminalizações. Capoeira, samba e funk no
Rio de Janeiro são manifestações culturais criadas nas favelas sobre as
quais é lançado um olhar preconceituoso e criminalizante.
IHU On-Line - A senhora disse que a rebelião nos
presídios não é mais do que
um mito da “política de segurança conservadora que é promovida há dez anos”.
Poderia explicar esse mito?
um mito da “política de segurança conservadora que é promovida há dez anos”.
Poderia explicar esse mito?
Vera Malaguti Batista - As rebeliões são
decorrentes da catástrofe que nós
estamos vivendo de políticas completamente equivocadas e absurdas. A tese
com que trabalho – não só eu, mas autores internacionais como Zygmunt
Bauman[1] e Zaffaroni[2] – é a de que faz parte do neoliberalismo uma
maneira de pensar a questão criminal, ou seja, uma estratégia de
criminalização da pobreza. Esse modelo vem principalmente dos EUA – aliás,
eles têm uma política penitenciária elogiada pelo Jornal Nacional e pela
Rede Globo todos os dias.
estamos vivendo de políticas completamente equivocadas e absurdas. A tese
com que trabalho – não só eu, mas autores internacionais como Zygmunt
Bauman[1] e Zaffaroni[2] – é a de que faz parte do neoliberalismo uma
maneira de pensar a questão criminal, ou seja, uma estratégia de
criminalização da pobreza. Esse modelo vem principalmente dos EUA – aliás,
eles têm uma política penitenciária elogiada pelo Jornal Nacional e pela
Rede Globo todos os dias.
Um mix de Guantánamo e Carandiru
Essa política penal produziu taxas de
encarceramento enlouquecidas no mundo
todo onde esse modelo impera. É uma maneira neoliberal de trabalhar as
questões sociais criminalizando, aumentando as penas, apostando num modelo
onde se superlota o sistema penitenciário e não se dá uma esperança de
saída. As penas são cada vez mais longas, e os castigos, maiores. Eu digo
que nosso sistema penitenciário é um mix, um misto de Guantánamo[3] e
Carandiru[4]. É o rigor penitenciário de Guantánamo com as condições
infra-humanas do Carandiru. Essa é uma receita exclusiva, que, dentro do
sistema, se comunica também com a exclusividade na periferia, que vem da
desesperança tanto política como econômica e cultural. Li no jornal Folha de
São Paulo, que, nos primeiros levantamentos, se verificou que a juventude da
periferia paulista, apesar de não ter nenhuma relação com o PCC, apoiava as
ações contra a polícia. Este é um panorama exclusivo. A resposta da polícia
não vai melhorar esse problema, nós estamos numa rota suicida. Toda vez que
a questão explode de forma dolorosa – com mais mortes de policiais porque
tanto os policiais quanto as pessoas que trabalham dentro do sistema nunca
tiveram condições tão ruins, eles também estão sendo brutalizados e morrendo
– as questões de fundo não são discutidas pela grande imprensa, pelo
contrário, parece que se faz questão de esconder essa explosão. O
oportunismo eleitoral leva a apostar mais no veneno que não está matando.
todo onde esse modelo impera. É uma maneira neoliberal de trabalhar as
questões sociais criminalizando, aumentando as penas, apostando num modelo
onde se superlota o sistema penitenciário e não se dá uma esperança de
saída. As penas são cada vez mais longas, e os castigos, maiores. Eu digo
que nosso sistema penitenciário é um mix, um misto de Guantánamo[3] e
Carandiru[4]. É o rigor penitenciário de Guantánamo com as condições
infra-humanas do Carandiru. Essa é uma receita exclusiva, que, dentro do
sistema, se comunica também com a exclusividade na periferia, que vem da
desesperança tanto política como econômica e cultural. Li no jornal Folha de
São Paulo, que, nos primeiros levantamentos, se verificou que a juventude da
periferia paulista, apesar de não ter nenhuma relação com o PCC, apoiava as
ações contra a polícia. Este é um panorama exclusivo. A resposta da polícia
não vai melhorar esse problema, nós estamos numa rota suicida. Toda vez que
a questão explode de forma dolorosa – com mais mortes de policiais porque
tanto os policiais quanto as pessoas que trabalham dentro do sistema nunca
tiveram condições tão ruins, eles também estão sendo brutalizados e morrendo
– as questões de fundo não são discutidas pela grande imprensa, pelo
contrário, parece que se faz questão de esconder essa explosão. O
oportunismo eleitoral leva a apostar mais no veneno que não está matando.
IHU On-Line - Há dissonâncias entre a forma como é
retratado o PCC, Primeiro
Comando da Capital, como uma poderosa máfia de narcotráfico paulista e a
realidade desse movimento?
Comando da Capital, como uma poderosa máfia de narcotráfico paulista e a
realidade desse movimento?
Vera Malaguti Batista - Os norte-americanos
trabalharam um conceito chamado
“rotulacionismo”, o sistema penal cria rótulos. Outro conceito é o da
“autoprofecia” realizável, quando se barbariza muito um grupo de pessoas
eles acabam incorporando aqueles preconceitos e estereótipos que foram
auferidos. Quando tratamos como monstros os que entraram no sistema por
pequenos delitos, estamos potencializando suas falhas. Quando olhamos a
história de vida dos “grandes traficantes’ ou “inimigos” no Rio de Janeiro
vemos que eram meninos comuns, que freqüentavam escola pública. A maneira de
encarar esses problemas vai brutalizando as pessoas e a polícia. A polícia
nunca foi tão vulnerável e desamparada, nunca morreram tantos policiais.
Esse modelo não é bom nem para as forças policiais, nem para as comunidades
pobres, nem para a população que está sendo criminalizada, nem para o
cidadão médio, mas deve estar sendo bom para alguém. Nos EUA, a indústria do
crime faz parte dos índices da economia, inclusive interferindo na Bolsa de
Valores. Parte das penitenciárias é privada e há pessoas lucrando muito com
isso. É um movimento auxiliar da concentração de renda e do capital
financeiro.
“rotulacionismo”, o sistema penal cria rótulos. Outro conceito é o da
“autoprofecia” realizável, quando se barbariza muito um grupo de pessoas
eles acabam incorporando aqueles preconceitos e estereótipos que foram
auferidos. Quando tratamos como monstros os que entraram no sistema por
pequenos delitos, estamos potencializando suas falhas. Quando olhamos a
história de vida dos “grandes traficantes’ ou “inimigos” no Rio de Janeiro
vemos que eram meninos comuns, que freqüentavam escola pública. A maneira de
encarar esses problemas vai brutalizando as pessoas e a polícia. A polícia
nunca foi tão vulnerável e desamparada, nunca morreram tantos policiais.
Esse modelo não é bom nem para as forças policiais, nem para as comunidades
pobres, nem para a população que está sendo criminalizada, nem para o
cidadão médio, mas deve estar sendo bom para alguém. Nos EUA, a indústria do
crime faz parte dos índices da economia, inclusive interferindo na Bolsa de
Valores. Parte das penitenciárias é privada e há pessoas lucrando muito com
isso. É um movimento auxiliar da concentração de renda e do capital
financeiro.
IHU On-Line - Quais os principais problemas do
sistema penitenciário
brasileiro?
brasileiro?
Vera Malaguti Batista - Faço uma comparação com os
anos 1930 nos EUA. Houve
o grande craque da Bolsa, a chamada grande depressão, que gerou uma enorme
taxa de desemprego. O senso comum e a mídia da época, ou seja, o poder
daquela época apostava numa fórmula que era aumentar os impostos e diminuir
os gastos públicos. Quanto mais se fazia isso pior ficava a situação
econômica, a fome, o desemprego e a desesperança aumentavam. Quando
Roosevelt[5] assumiu a presidência, o partido comunista era forte nos EUA, e
ele tinha uma aliança com a esquerda. Foi ele quem propôs o New Deal[6], ou
seja, uma maneira exatamente ao contrário do que o senso comum dizia na
época. Ele começou a gastar mais, fazer mais investimentos públicos e
diminuir os impostos. Digo que temos de fazer o New Deal da questão criminal
que é justamente o contrário de tudo isso que está sendo dito por aí.
Zaffaroni, que é um grande jurista argentino, e hoje ministro da Corte
Suprema Argentina diz que na América Latina 70% da população carcerária
estão em prisão provisória, ou seja, são presos que não estão condenados. Há
diferenças estatísticas de um país para outro.
o grande craque da Bolsa, a chamada grande depressão, que gerou uma enorme
taxa de desemprego. O senso comum e a mídia da época, ou seja, o poder
daquela época apostava numa fórmula que era aumentar os impostos e diminuir
os gastos públicos. Quanto mais se fazia isso pior ficava a situação
econômica, a fome, o desemprego e a desesperança aumentavam. Quando
Roosevelt[5] assumiu a presidência, o partido comunista era forte nos EUA, e
ele tinha uma aliança com a esquerda. Foi ele quem propôs o New Deal[6], ou
seja, uma maneira exatamente ao contrário do que o senso comum dizia na
época. Ele começou a gastar mais, fazer mais investimentos públicos e
diminuir os impostos. Digo que temos de fazer o New Deal da questão criminal
que é justamente o contrário de tudo isso que está sendo dito por aí.
Zaffaroni, que é um grande jurista argentino, e hoje ministro da Corte
Suprema Argentina diz que na América Latina 70% da população carcerária
estão em prisão provisória, ou seja, são presos que não estão condenados. Há
diferenças estatísticas de um país para outro.
Lierar os presídios
Temos que apostar em maneiras de tirar gente da
prisão, de soltar pessoas.
Prender menos, soltar gente que está presa, trabalhar e tratar melhor as
pontes de comunicação da população carcerária com seus familiares e com o
mundo de fora da prisão ao invés de apostar no corte das comunicações.
Apostar em mais comunicação, tratamento mais digno, mais garantias, mais
acesso à defesa. A Defensoria Pública de São Paulo foi criada há pouquíssimo
tempo, a maioria desses presos não tem acesso à defesa, o que é direito
deles. Também temos que inventar papéis mais bonitos, mais dignos para as
nossas forças policiais que não seja o de ser o exterminador e o caçador de
pobres e por último barrar, trabalhar em reformas legais na direção
contraria de aumento de penas, na direção de mais garantia, menos
penalização. Fiz a comparação com o New Deal só para mostrar que nós temos
que apostar no contrário de tudo isso que o senso comum, os interesses da
grande mídia e o oportunismo eleitoral estão propondo.
Prender menos, soltar gente que está presa, trabalhar e tratar melhor as
pontes de comunicação da população carcerária com seus familiares e com o
mundo de fora da prisão ao invés de apostar no corte das comunicações.
Apostar em mais comunicação, tratamento mais digno, mais garantias, mais
acesso à defesa. A Defensoria Pública de São Paulo foi criada há pouquíssimo
tempo, a maioria desses presos não tem acesso à defesa, o que é direito
deles. Também temos que inventar papéis mais bonitos, mais dignos para as
nossas forças policiais que não seja o de ser o exterminador e o caçador de
pobres e por último barrar, trabalhar em reformas legais na direção
contraria de aumento de penas, na direção de mais garantia, menos
penalização. Fiz a comparação com o New Deal só para mostrar que nós temos
que apostar no contrário de tudo isso que o senso comum, os interesses da
grande mídia e o oportunismo eleitoral estão propondo.
IHU On-Line - Por trás dos fatos de violência e
mortes das últimas semanas
haveria uma rebelião contra as condições em que vivem os presos?
haveria uma rebelião contra as condições em que vivem os presos?
Vera Malaguti Batista - O Brasil, 10 anos atrás,
tinha cerca de 100 mil
presos, hoje só em São Paulo são 140 mil presos. A cada mês entram 700 novos
condenados no sistema penitenciário, é obvio que essa situação é
“inadiministrável”. Na rebelião de 2001, que aconteceu em São Paulo, a
imprensa divulgou um retrato que mostrava que a maioria dos “líderes” do PCC
tinha entrado no sistema por pequenos delitos. Então, foi o nosso sistema
que produziu essas lideranças e essa organização que não existia. É uma
organização decorrente da nossa política penal e penitenciária. Isso que
está acontecendo é uma conseqüência de ações que envolvem essa aposta no
modelo norte-americano penitenciário, de criminalização da pobreza, nos
crimes hediondos. Parece-me que existe um “pacto” de não discutir o
fundamental, de só aprofundar o veneno que está produzindo isso tudo. É uma
rota suicida pelo que aconteceu e pela resposta que teve, nada indica que as
coisas vão melhorar.
presos, hoje só em São Paulo são 140 mil presos. A cada mês entram 700 novos
condenados no sistema penitenciário, é obvio que essa situação é
“inadiministrável”. Na rebelião de 2001, que aconteceu em São Paulo, a
imprensa divulgou um retrato que mostrava que a maioria dos “líderes” do PCC
tinha entrado no sistema por pequenos delitos. Então, foi o nosso sistema
que produziu essas lideranças e essa organização que não existia. É uma
organização decorrente da nossa política penal e penitenciária. Isso que
está acontecendo é uma conseqüência de ações que envolvem essa aposta no
modelo norte-americano penitenciário, de criminalização da pobreza, nos
crimes hediondos. Parece-me que existe um “pacto” de não discutir o
fundamental, de só aprofundar o veneno que está produzindo isso tudo. É uma
rota suicida pelo que aconteceu e pela resposta que teve, nada indica que as
coisas vão melhorar.
IHU On-Line - E sobre as relações feitas com o
narcotráfico e o crime
organizado?
organizado?
Vera Malaguti Batista - Não trabalho com nenhuma
dessas duas categorias.
Narcotráfico eu considero uma expressão norte-americana introduzida no
continente a partir dos anos 1980. No caso do Brasil, nós nem temos
narcóticos. Com relação ao crime organizado, nós também questionamos. O Raul
Zaffaroni, inclusive, tem um artigo na nossa revista chamado Crime
organizado, uma caracterização frustrada. Qualquer coisa, dizemos que é
crime organizado. São categorizações que não nos levam a nada, elas aumentam
o terror e dificultam o entendimento. Lembro que houve uma rebelião há uns
três ou quatro anos, num presídio chamado Urso Branco, no Acre. Os presos
decapitaram uma pessoa e jogaram a cabeça. É a única forma que eles têm de
aparecer se não ninguém discute sua situação. As condições são tão bárbaras
dentro das prisões que, com tudo isso, que aconteceu não houve ninguém
disposto a ir olhar e conversar com os presos, entender o que estava
acontecendo. Além de suicida é uma linha muito burra que aposta só no
autoritarismo e na repressão.
Narcotráfico eu considero uma expressão norte-americana introduzida no
continente a partir dos anos 1980. No caso do Brasil, nós nem temos
narcóticos. Com relação ao crime organizado, nós também questionamos. O Raul
Zaffaroni, inclusive, tem um artigo na nossa revista chamado Crime
organizado, uma caracterização frustrada. Qualquer coisa, dizemos que é
crime organizado. São categorizações que não nos levam a nada, elas aumentam
o terror e dificultam o entendimento. Lembro que houve uma rebelião há uns
três ou quatro anos, num presídio chamado Urso Branco, no Acre. Os presos
decapitaram uma pessoa e jogaram a cabeça. É a única forma que eles têm de
aparecer se não ninguém discute sua situação. As condições são tão bárbaras
dentro das prisões que, com tudo isso, que aconteceu não houve ninguém
disposto a ir olhar e conversar com os presos, entender o que estava
acontecendo. Além de suicida é uma linha muito burra que aposta só no
autoritarismo e na repressão.
IHU On-Line - Considera que houve uma construção
exagerada da imagem de
Marcola como monstro ou algo assim?
Marcola como monstro ou algo assim?
Vera Malaguti Batista - Estamos tornando essas
pessoas cada vez piores. Acho
que o fato que aconteceu em São Paulo é gravíssimo, foi uma coisa
extremamente assustadora. Brutalizarmos, porém, mais o que ocorreu,
significa que, da próxima vez, pode ser pior ainda. Eu não quero diminuir o
que aconteceu, estou querendo que a gente entenda melhor o que aconteceu
para sairmos da linha burra. Qualquer um de nós que for jogado nesse sistema
penitenciário como está sendo concebido sairá de lá pior. Ninguém sai bonito
de lá, ninguém melhora.
que o fato que aconteceu em São Paulo é gravíssimo, foi uma coisa
extremamente assustadora. Brutalizarmos, porém, mais o que ocorreu,
significa que, da próxima vez, pode ser pior ainda. Eu não quero diminuir o
que aconteceu, estou querendo que a gente entenda melhor o que aconteceu
para sairmos da linha burra. Qualquer um de nós que for jogado nesse sistema
penitenciário como está sendo concebido sairá de lá pior. Ninguém sai bonito
de lá, ninguém melhora.
IHU On-Line - Como podemos sair deste conflito?
Vera Malaguti Batista - Falei brevemente do que eu
chamo de New Deal da
questão criminal. Seria criminalizar menos, fazer uma reforma penal que
garanta mais acesso a direitos com penas menos longas, é o contrário do
senso comum. Arrumar uma maneira de viabilizar a defesa aos presos
provisórios. Quem não tem que estar preso deve sair. Tratar melhor a
população penitenciária e seus familiares. Pensar maneiras melhores de
trabalhar as políticas de segurança pública que não seja pela violência e
pela brutalização contra as comunidades da periferia, mais ou menos o
contrário do que está sendo feito e discutido.
questão criminal. Seria criminalizar menos, fazer uma reforma penal que
garanta mais acesso a direitos com penas menos longas, é o contrário do
senso comum. Arrumar uma maneira de viabilizar a defesa aos presos
provisórios. Quem não tem que estar preso deve sair. Tratar melhor a
população penitenciária e seus familiares. Pensar maneiras melhores de
trabalhar as políticas de segurança pública que não seja pela violência e
pela brutalização contra as comunidades da periferia, mais ou menos o
contrário do que está sendo feito e discutido.
IHU On-Line - Há pessoas que relacionam, inclusive
intelectuais o têm feito
publicamente, a situação de violência com a necessidade de a população
portar armas, manifestada na vitória do “não” no plebiscito sobre
desarmamento. O que a senhora pensa sobre isso?
publicamente, a situação de violência com a necessidade de a população
portar armas, manifestada na vitória do “não” no plebiscito sobre
desarmamento. O que a senhora pensa sobre isso?
Vera Malaguti Batista - O plebiscito foi muito mal
formulado. Eu não acho
que tenha a ver com o não, inclusive porque o sim apostava em mais
criminalização. Esse foi um dos equívocos grandes do lado do sim. Enquanto
do lado do “não” não havia só conservadores e a extrema direita, várias
forças de esquerda também apoiavam essa postura. Nós na criminologia crítica
achamos que a proibição e a criminalização da venda, ou seja, tirar
legalidade seria um complicador a mais do problema, que é a mesma visão que
temos sobre a nossa política criminal de drogas. Proibir, tornar ilegal,
criminalizar aumenta o problema.
que tenha a ver com o não, inclusive porque o sim apostava em mais
criminalização. Esse foi um dos equívocos grandes do lado do sim. Enquanto
do lado do “não” não havia só conservadores e a extrema direita, várias
forças de esquerda também apoiavam essa postura. Nós na criminologia crítica
achamos que a proibição e a criminalização da venda, ou seja, tirar
legalidade seria um complicador a mais do problema, que é a mesma visão que
temos sobre a nossa política criminal de drogas. Proibir, tornar ilegal,
criminalizar aumenta o problema.
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[1] Zygmunt Bauman: sociólogo polonês, professor
emérito nas Universidades
de Varsóvia, na Polônia e de Leeds, na Inglaterra. Publicamos uma resenha do
seu livro Amor Líquido (São Paulo: Jorge Zahar Editores, 2004), na 113ª
edição do IHU On-Line, de 30 de agosto de 2004. Publicamos um entrevista
exclusiva com Bauman na revista IHU On-Line edição 181 de 22 de maio de
2006. (Nota da IHU On-Line)
de Varsóvia, na Polônia e de Leeds, na Inglaterra. Publicamos uma resenha do
seu livro Amor Líquido (São Paulo: Jorge Zahar Editores, 2004), na 113ª
edição do IHU On-Line, de 30 de agosto de 2004. Publicamos um entrevista
exclusiva com Bauman na revista IHU On-Line edição 181 de 22 de maio de
2006. (Nota da IHU On-Line)
[2] Eugênio Raul Zaffaroni: ministro da Suprema
Corte Argentina. Ainda, é
professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia
na Universidade de Buenos Aires, doutor honoris causa da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação Internacional de
Direito Penal. (Nota da IHU On-Line)
professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia
na Universidade de Buenos Aires, doutor honoris causa da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação Internacional de
Direito Penal. (Nota da IHU On-Line)
[3] Guantánamo: capital da província de Guantánamo,
situada no sudeste de
Cuba. Há 15km da cidade, foi implantada a base naval dos Estados Unidos da
América de Guantánamo. É no interior desta base que se encontra a prisão de
Guantánamo, medindo 117,6 km² e alugada pelo governo norte-americano por 4
085 dólares por ano. Desde janeiro de 2002, estão encarcerados nesta base
prisioneiros afegãos e iraquianos acusados de ligação com os grupos Taleban
e Al-Qaeda, em uma área excluída do controle internacional, concernando as
condições de detenção de seus prisioneiros. Segundo a Cruz Vermelha
internacional, esses prisioneiros seriam vítimas de tortura. (Nota da IHU
On-Line)
Cuba. Há 15km da cidade, foi implantada a base naval dos Estados Unidos da
América de Guantánamo. É no interior desta base que se encontra a prisão de
Guantánamo, medindo 117,6 km² e alugada pelo governo norte-americano por 4
085 dólares por ano. Desde janeiro de 2002, estão encarcerados nesta base
prisioneiros afegãos e iraquianos acusados de ligação com os grupos Taleban
e Al-Qaeda, em uma área excluída do controle internacional, concernando as
condições de detenção de seus prisioneiros. Segundo a Cruz Vermelha
internacional, esses prisioneiros seriam vítimas de tortura. (Nota da IHU
On-Line)
[4] Carandiru: nome popular da "Casa de
Detenção de São Paulo", um complexo
penitenciário que se localizava na zona norte da cidade de São Paulo, no
bairro de mesmo nome. Foi fundado na década de 1920. Já chegou a abrigar
mais de 7000 presos, sendo o maior presídio do Brasil e da América Latina.
Um dos fatos mais conhecidos da história do presídio ocorreu em 1992, quando
111 detentos foram mortos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo
durante uma rebelião. Esse fato teve grande repercussão nacional e
internacional. Em 2002, iniciou-se o processo de desativação do Carandiru,
com a transferência de presos para outras unidades. Hoje o presídio já se
encontra totalmente desativado e o prédio foi implodido. (Nota da IHU
On-Line)
penitenciário que se localizava na zona norte da cidade de São Paulo, no
bairro de mesmo nome. Foi fundado na década de 1920. Já chegou a abrigar
mais de 7000 presos, sendo o maior presídio do Brasil e da América Latina.
Um dos fatos mais conhecidos da história do presídio ocorreu em 1992, quando
111 detentos foram mortos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo
durante uma rebelião. Esse fato teve grande repercussão nacional e
internacional. Em 2002, iniciou-se o processo de desativação do Carandiru,
com a transferência de presos para outras unidades. Hoje o presídio já se
encontra totalmente desativado e o prédio foi implodido. (Nota da IHU
On-Line)
[5] Franklin Delano Roosevelt: (1882-1945): 32º
presidente dos Estados
Unidos (1933-1945), o único a ser eleito mais de duas vezes presidente. É
considerada uma das figuras centrais da história do século XX. Foi um dos
presidentes mais populares da história americana, tendo emergido a nação da
grande depressão de 1930. (Nota da IHU On-Line)
Unidos (1933-1945), o único a ser eleito mais de duas vezes presidente. É
considerada uma das figuras centrais da história do século XX. Foi um dos
presidentes mais populares da história americana, tendo emergido a nação da
grande depressão de 1930. (Nota da IHU On-Line)
[6] New Deal: nome dado às reformas executadas por
Roosevelt nos EUA., a
partir de 1933, que consagrava certa intervenção do Estado nos domínios
econômico e social. (Nota da IHU On-Line)
partir de 1933, que consagrava certa intervenção do Estado nos domínios
econômico e social. (Nota da IHU On-Line)