quarta-feira, 3 de julho de 2013

Análise judicial do mérito de questões em concursos públicos

  Qualquer um que estude Direito já ouviu aquela máxima segundo a qual o Poder Judiciário não se intromete no mérito administrativo, não adentrando em assuntos ligados à conveniência e à oportunidade dos atos administrativos.
   Isso está correto, evidentemente, por decorrência da necessária separação entre os Poderes.
   No tema dos concursos públicos a regra não muda. Em caso de descontentamento com o gabarito do certame, o candidato deve buscar sanar o suposto equívoco através das próprias vias administrativas do concurso.
   Porém, quem faz/fez concursos públicos sabe que muitas vezes os recursos internos para as bancas examinadoras não são devidamente apreciados, sendo julgados em conjunto e respondidos com frases prontas e genéricas.
   Sentindo-se injustiçado, a última medida cabível ao candidato prejudicado é exercer o seu direito de ação e chamar o Poder Judiciário para apreciar o caso.
   Ao argumento daquela velha máxima que mencionei no início do texto, o Poder Judiciário acaba não entrando no mérito da demanda, aduzindo que o cerne das questões do concurso público só pode ser apreciado e revisto pela própria Banca Examinadora, não cabendo ao Judiciário imiscuir-se nesse tipo de análise.
   Pois é. Essa ainda é a realidade que impera na vida dos concurseiros. Porém, há uma luz no fim do túnel (mas bem no fim!).
   Ao julgar Mandado de Segurança impetrado por um candidato ao cargo de Procurador da República, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, adentrou no mérito da questão formulada no concurso público e a anulou, porque houve confusão entre conceitos jurídicos, estando o gabarito em flagrante contrariedade à lei.
   Com isso, temos um importante precedente na luta por concursos públicos mais justos, livres de arbitrariedades que eventualmente possam ser praticadas por algumas comissões avaliadoras.

   Deixo a ementa do acórdão referido, bem como os informativos do julgamento, conforme publicados no site do STF:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES DA PROVA OBJETIVA. DEMONSTRAÇÃO DA INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO À ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO E AOS DEMAIS CANDIDATOS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA OBSERVADO. LIQUIDEZ E CERTEZA DO DIREITO COMPROVADOS. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DAS QUESTÕES EM DECORRÊNCIA DE ERRO GROSSEIRO DE CONTEÚDO NO GABARITO OFICIAL. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO PARCIAL DA SEGURANÇA. 1. A anulação, por via judicial, de questões de prova objetiva de concurso público, com vistas à habilitação para participação em fase posterior do certame, pressupõe a demonstração de que o Impetrante estaria habilitado à etapa seguinte caso essa anulação fosse estendida à totalidade dos candidatos, mercê dos princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da eficiência. 2. O Poder Judiciário é incompetente para, substituindo-se à banca examinadora de concurso público, reexaminar o conteúdo das questões formuladas e os critérios de correção das provas, consoante pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes (v.g., MS 30433 AgR/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES; AI 827001 AgR/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA; MS 27260/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Red. para o acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA), ressalvadas as hipóteses em que restar configurado, tal como in casu, o erro grosseiro no gabarito apresentado, porquanto caracterizada a ilegalidade do ato praticado pela Administração Pública. 3. Sucede que o Impetrante comprovou que, na hipótese de anulação das questões impugnadas para todos os candidatos, alcançaria classificação, nos termos do edital, habilitando-o a prestar a fase seguinte do concurso, mediante a apresentação de prova documental obtida junto à Comissão Organizadora no exercício do direito de requerer certidões previsto no art. 5º, XXXIV, “b”, da Constituição Federal, prova que foi juntada em razão de certidão fornecida pela instituição realizadora do concurso público. 4. Segurança concedida, em parte, tornando-se definitivos os efeitos das liminares deferidas. (MS 30859, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-209 DIVULG 23-10-2012 PUBLIC 24-10-2012)

---

Concurso público: mérito de questões e anulação - 1
A 1ª Turma iniciou julgamento de mandado de segurança no qual se postula a anulação de questões objetivas de concurso público para provimento de cargo de Procurador da República, em virtude de suposto equívoco na elaboração destas, de modo que fossem computadas como corretas na pontuação final do impetrante, com as consectárias participação nas fases seguintes e posse no cargo colimado. Na espécie, alegava-se que a banca examinadora teria compreendido inadequadamente conceitos jurídicos. Também se arguia que, interposto o recurso administrativo, não teria sido disponibilizado, pela comissão do concurso, acesso às respectivas respostas. Aduzia-se, ainda, que se pleiteara anulação das assertivas, com efeitos para todos os candidatos, em requerimento administrativo então pendente de julgamento perante o Conselho Superior do Ministério Público Federal. A liminar fora deferida parcialmente com o fito de que o requerente prosseguisse nas etapas conseguintes do certame e, caso lograsse aprovação, fosse reservada vaga a ele até a apreciação do mérito do writ.
MS 30859/DF, rel. Min. Luiz Fux, 13.3.2012. (MS-30859)

Concurso público: mérito de questões e anulação - 2
O Min. Luiz Fux, relator, denegou a ordem e cassou a liminar anteriormente deferida, no que foi acompanhado pelas Ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia. De início, ressaltou que não teria sido comprovada a liquidez e a certeza do direito do impetrante. Isso porque a anulação, por via judicial, de questões de prova objetiva de concurso público, com vistas à habilitação para participar em fase posterior do certame, pressuporia a demonstração de que o requerente estivesse apto à etapa seguinte, caso essa anulação fosse estendida à totalidade dos candidatos, consoante os princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da eficiência. Assim, explicou que a situação jurídica do requerente deveria ser analisada não só com base na pontuação individual em cada fase do certame, mas também em função da classificação que atingiria em cada uma delas, sendo indispensável, para a espécie, verificar a posição de cada um dos demais aspirantes ao cargo. Sublinhou que essa comprovação deveria decorrer de certidão obtida juntamente à comissão organizadora do concurso (CF, art. 5º, XXXIV, b) ou, se negada em sede administrativa, por ordem judicial, nos moldes da lei do mandado de segurança. Nesse contexto, advertiu que, em hipóteses análogas, haveria utilização imoderada da estreita via do writ. Elucidou que o pleito do impetrante poderia ser deferido por meio de ação de cognição exauriente, em tutela antecipada.
MS 30859/DF, rel. Min. Luiz Fux, 13.3.2012. (MS-30859)

Concurso público: mérito de questões e anulação - 3
Em seguida, rememorou jurisprudência desta Corte no sentido de que o Poder Judiciário seria incompetente para, substituindo-se à banca examinadora de concurso, reexaminar conteúdo de questões formuladas e critérios de correção de provas. A Min. Cármen Lúcia acresceu que eventual erro de banca examinadora poderia gerar lesão, mas não ilegalidade ou abuso de poder com direito líquido e certo a ser amparado por meio de mandado de segurança. De outro lado, o Min. Marco Aurélio dissentiu do relator para conceder, em parte, a segurança, a fim de assentar a insubsistência das questões em comento. Afirmou que, reconhecida erronia no gabarito da prova objetiva, deveria ser reapreciada a situação jurídica do impetrante pela comissão do concurso. Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli.
MS 30859/DF, rel. Min. Luiz Fux, 13.3.2012. (MS-30859)

Concurso público: mérito de questões e anulação - 4
A 1ª Turma retomou julgamento de mandado de segurança no qual se postula a anulação de questões objetivas de concurso público para provimento de cargo de Procurador da República, em virtude de suposto equívoco na elaboração destas, de modo que fossem computadas como corretas na pontuação final do impetrante, com as consectárias participação nas fases seguintes e posse no cargo colimado. Na espécie, alega-se que a banca examinadora teria compreendido inadequadamente conceitos jurídicos. Também se argui que, interposto o recurso administrativo, não teria sido disponibilizado, pela comissão do concurso, acesso às respectivas respostas. Aduz-se, ainda, que se pleiteara anulação das assertivas, com efeitos para todos os candidatos, em requerimento administrativo então pendente de julgamento perante o Conselho Superior do Ministério Público Federal. A liminar fora deferida parcialmente com o fito de que o requerente prosseguisse nas etapas conseguintes do certame e, se lograsse aprovação, fosse reservada vaga a ele até a apreciação do mérito do writ — v. Informativo 658. O Min. Dias Toffoli, em voto-vista, acompanhou o Min. Marco Aurélio, para conceder, em parte, a segurança, a fim de assentar a insubsistência das questões impugnadas. Consignou que a correção da prova afrontara o Código Civil. Asseverou não se comprometer com a tese de que sempre seria possível a ingerência judicial na análise dos gabaritos oferecidos pelas bancas examinadoras de concurso público, mas que, em cada caso submetido à apreciação judicial, deveria ser enfrentado segundo suas peculiaridades. O Min. Luiz Fux, relator, reajustou voto para conceder, em parte, a segurança. Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia.
MS 30859/DF, rel. Min. Luiz Fux, 27.3.2012. (MS-30859)

Concurso público: mérito de questões e anulação - 5
Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma, por maioria, concedeu, em parte, mandado de segurança a fim de anular questões objetivas de concurso público para provimento de cargo de Procurador da República, em virtude de equívoco na elaboração destas — v. Informativos 658 e 660. Afirmou-se que, observada erronia no gabarito da prova objetiva, deveria ser reapreciada a situação jurídica do impetrante pela comissão do concurso. Destacou-se precedente da 2ª Turma segundo o qual, em que pese a máxima de que o Judiciário não poderia substituir a banca examinadora, a verificação de erro grosseiro levaria ao reconhecimento de ilegalidade. Por fim, mantiveram-se os efeitos da liminar concedida, que assegurava a participação do candidato nas demais fases do certame e reservava vaga em caso de aprovação final. Vencidas as Ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia. Esta destacava a impossibilidade de o Poder Judiciário fazer o controle jurisdicional de mérito do ato administrativo, que, no caso, seria da alçada das bancas examinadoras.
MS 30859/DF, rel. Min. Luiz Fux, 28.8.2012. (MS-30859)


quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sentença para a Dona Maria entender

Publico uma sentença bem inusitada proferida por um juiz do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O magistrado resolveu elaborar uma sentença bem didática para que a ré, Dona Maria, conseguisse entender o que estava acontecendo.


Processo nº: 
011/2.09.0004xxx-8
Natureza:
Porte de Arma
Autor:
Justiça Pública
Réu:
Maria A.P.S.
Juiz Prolator:
Juiz de Direito - Dr. Ricardo Luiz da Costa Tjader
Data:
20/01/2012


Vistos e examinadas estes autos, relato.

MARIA A.P.S., 68 anos de idade na data do fato,
foi denunciada pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO
por ter violado ao disposto no art. 16, parágrafo, inc. IV da Lei nº 10.826/03.
                     
Consta na denúncia que no dia 09/10/09, na rua Tupiniquins, nº 495, a denunciada possuía uma arma de fogo, garrucha, calibre 0.40, sem marca aparente, com numeração raspada, acabamento oxidado desgastado, em mau estado de conservação, municiada com 2 cartuchos calibre .38. Esses objetos foram encontrados na residência da ré, embaixo de um colchão, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão. Perícia comprovou a eficácia da arma e da munição apreendidas.
A denúncia foi recebida em 06/08/10 (fl. 43).
A ré respondeu à acusação (fls. 45ss). Negou o fato.
Foi realizada audiência (fls. 60ss), sendo os depoimentos prestados reproduzidos a partir da fl. 62.
O Ministério Público apresentou alegações escritas a partir da fl. 71. Disse estarem provadas a materialidade e a autoria e, analisando a prova oral colhida, concluiu pela condenação da ré nos termos da denúncia. Acrescentou que independentemente de se tratar de arma de uso permitido, restrito ou proibido, o fato de possuir número de identificação raspado insere o fato nas disposições do art. 16 da Lei nº 10.826/03. Requereu a condenação.
A defesa apresentou memoriais (fls. 78ss). Disse ser inaproveitável a prova colhida no inquérito. Disse faltar dolo na conduta da ré, e que os depoimentos de policiais não podem ser levados em conta, faltando também prova incriminadora. Afirmou ainda que a conduta da acusada não causou risco à sociedade. Disse que o fato narrado se ajusta ao tipo penal do art. 14 da Lei nº 10.826, e não ao art. 16, somente aplicável aos casos em que arma de uso não permitido teve a numeração raspada. Em caso de condenação, requereu fosse a pena aplicada no mínimo, com incidência das atenuantes previstas no art. 65, I, II e III, d, do Código Penal.
Relatado, passo a fundamentar.

A materialidade do fato descrito na denúncia se acha demonstrada através do relatório do mandado de busca e apreensão de fl. 10vs, no auto de apreensão de fl. 12 e nos Laudos Periciais de fls. 32ss e 38ss. A autoria vem igualmente demonstrada, com complementos na prova oral colhida.
A testemunha SÉRGIO, em seu depoimento de fl. 65, disse que no cumprimento de mandado de busca e apreensão de arma de fogo na residência da denunciada, ele localizou a arma apreendida sob um colchão no quarto que a ré alegou ser o seu. Disse ainda que a arma estava municiada com dois cartuchos, e que a ré afirmou que a arma lhe pertencia.

ADELAR, nas fls. 66ss, disse que a arma apreendida na residência da ré pertencia ao filho dela, falecido já há algum tempo. Disse que soube da apreensão da arma na residência da ré em razão da movimentação da polícia, pois é vizinho, e que somente soube da existência da arma porque o filho de dona MARIA certa vez lhe disse que possuía uma arma. O filho de MARIA residia em uma casa ao lado da casa da denunciada, no mesmo terreno, casa essa que “ficou“ para a ré quando ele faleceu.
A ré, a seu turno (fls. 67ss), disse que a arma apreendida em sua casa pertencia ao seu filho JOSÉ, falecido há cerca de dois anos. Depois do falecimento do filho, quando decidiu desmanchar a casa onde ele morava, que fica no mesmo terreno da sua casa, decidiu recolher as suas coisas, dentre as quais essa arma. Disse que apenas a recolheu e guardou sob o colchão, nunca a tendo utilizado, pois não sabe nem pegar na mesma ou como se atira. Para ela não passava de um pedaço de ferro. Disse que a arma jamais saiu da sua casa. Sustentou desconhecer a obrigatoriedade de registrar ou entregar armas à polícia, e que nunca ninguém lhe disse que deveria registrar a arma; pensou que não fazia mal guardar a arma, pois nunca “puxou” prá ninguém, nunca brigou, nunca matou ninguém, nunca tirou para fora de casa, nunca mais mexeu na arma. Do jeito que estava lá na casa de seu filho, guardou embaixo do colchão, e ali continuava. Quando a polícia chegou em sua casa com o mandado de busca e apreensão, franqueou a entrada e permitiu que procurassem, e somente não disse onde estava a arma porque não lhe foi perguntado; se tivessem perguntado, teria dito.

O primeiro destinatário da sentença é o acusado. Na medida do possível as sentenças judiciais devem ser redigidas de uma forma que o cidadão possa compreendê-las, o que se faz especialmente relevante no caso dos autos, onde a ré é uma senhora idosa, que na data do fato tinha 68 anos de idade, e hoje já está com 71. Em seu depoimento demonstrou ser portadora de uma simplicidade muito comum para pessoas da sua idade e da sua condição social que, segundo revelou, não é lá das melhores, pois mora em uma casinha simples, de chão batido. Mal sabe assinar o nome.
Então, a fim de facilitar a sua compreensão, nos parágrafos seguintes vou procurar ser o mais claro possível, permitindo que a dona MARIA compreenda tudo o que está sendo dito:

Pois é, Dona MARIA: agora é proibido guardar arma em casa. Se quiser possuir arma de fogo tem que ir na Polícia Federal com uma série de documentos e provar que realmente precisa de uma arma. Daí o Delegado vai analisar o caso e, se achar possível, irá permitir que a Senhora adquira uma, mas antes tem que fazer um curso prá aprender a manusear e atirar, até porque, se não, nem adianta ter arma em casa.
Nem mesmo como lembrança do seu falecido filho a senhora pode manter essa arma guardada, e também não faz diferença nenhuma se a senhora guarda essa arma embaixo de um colchão e não pretende utilizá-la, se não briga com ninguém e nem sabe atirar. Dizem que é assim porque mesmo uma arma que fique guardada um dia pode acabar caindo na mão de um criminoso, e então o governo quer diminuir o número de armas nas mãos do povo, prá ver se diminui a criminalidade.
No seu caso, porém, tem um detalhe: A arma que era do seu filho foi apreendida na sua casa no dia 09/10/09, e nesse dia já estava em vigor uma lei que prorrogou o prazo para que a Senhora fosse até a polícia regularizar a posse da arma. Só para a senhora saber, trata-se da Lei nº 11.922/09, que modificou o art. 30 da Lei nº 10.826/03 que, as duas juntas, estabeleciam que o cidadão teria até o dia 31/12/2009 para registrar as armas que tinha em casa.
Então, mesmo que a senhora tenha dito que nem sabia que precisava regularizar a arma, a verdade é que no dia em que ela foi encontrada na sua casa, por alto, a senhora não tava cometendo crime nenhum, porque ninguém pode garantir que nos dois meses que a senhora ainda teria para regularizar a situação a senhora não viria a ser informada, e procedesse de acordo com a Lei, providenciando o registro ou até mesmo entregando a arma para a Polícia, já que a senhora falou que não tinha intenção nenhuma de usá-la.
Só tem um probleminha. É que falaram que a arma do seu filho tava com a numeração raspada, então mesmo que a senhora quisesse não teria como regularizá-la, pois armas assim são proibidas. Mas isso não é um problema tão grande, porque mesmo assim a senhora podia entregá-la para a Polícia sem nenhuma dificuldade.
Além do mais, os peritos lá de Porto Alegre que examinaram a sua arma (fls. 32ss), não disseram que ela estava com a numeração raspada. Na verdade, eles disseram “que se trata mais provavelmente de uma arma artesanal”, e armas artesanais obviamente não possuem numeração. Esses mesmos peritos também disseram que a sua arma “aparentemente” era do calibre .38 longo, uma arma que é permitida. Eles disseram que ela podia usar munição do calibre .357 Magnum, mas além de não ser essa a munição que tinha na arma no dia que apreenderam, a lei que trata desse assunto diz que são de uso restrito “armas de fogo curtas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a (trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .357 Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum, .45 Colt e .45 Auto”. Mas os peritos nem testaram com essa munição, e nem com os cartuchos que estavam nela, porque ficaram com medo (“devido ao risco para o atirador”), pois a arma era muito velha.
Então podia até ser que coubesse, mas essa não era a munição “comum” (em direito costumamos partir do pressuposto de que a lei não possui palavras desnecessárias) da sua arma, tanto que os peritos disseram que ‘provavelmente’ ela era uma arma calibre .38, e estava municiada com munição .38.
E lá nas fls. 38ss, outra equipe de peritos disse apenas que “ao exame visual macroscópico e/ou com auxílio de instrumento ótico na arma em questão, não foi constatado a gravação do número de série”. Eles também deram uma examinadinha nas “regiões normalmente destinadas à gravação do número de série”, mas não acharam nada que indicasse que havia ali algum número gravado (fl.39).
Então, não tem nenhuma prova no processo de que a arma que a senhora estava guardando estava com a numeração raspada.
Sendo assim, Dona Maria, foi por pouco, já que a senhora tinha apenas mais um mês e uns dias para entregar a sua arma para a Polícia, mas tenho que lhe dizer que na verdade a senhora não cometeu crime nenhum.
Só tem uma coisinha: Eu não vou poder mandar lhe devolver a arma, porque agora já não dá mais para regularizá-la, pois o prazo terminou no dia 31/12/09. Além disso, mesmo que desse tempo, a senhora não iria poder regularizá-la, pois para que isso aconteça é preciso que a arma tenha uma numeração de fábrica, e a sua não tem. A senhora vai ter que ficar com outras coisas de lembrança do JOSÉ.
Outra coisinha: não dê bola para o que o JOÃO CARLOS falou na audiência (fls. 62ss). Tá na cara que ele só disse que a senhora, com seus quase setenta anos o tinha ameaçado com arma de fogo porque andava de birra com a sua filha. Eu acho até que foi só por isso que ele pediu para a Polícia ir lá na sua casa, mas isso já não vem mais ao caso.

Pelo exposto,
ABSOLVO MARIA A.P.S das imputações lançadas na denúncia, nos termos do art. 386, inc. III do Código de Processo Penal.
Custas pelo Estado.
Transitada em julgado a sentença, preencha-se e envie-se o boletim estatístico.
Registre-se a sentença.
Intimem-se.
Cumprido, arquive-se com baixa.
Cruz Alta, 20 de janeiro de 2012.

Ricardo Luiz da Costa Tjader
Juiz de Direito

sábado, 11 de maio de 2013

"Samba do crioulo doido"


Ementa: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. NULIDADE DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO PACIENTE PARA RECORRER DO ÉDITO CONDENATÓRIO. ACORDÃO DE SEGUNDO GRAU QUE MAJOROU A REPRIMENDA. ACÓRDÃO ANULADO PELO JUÍZO SENTENCIANTE. IMPOSSIBILIDADE. QUESTÃO QUE DEVE SER APRECIADA PELA VIA PRÓPRIA E PELO TRIBUNAL COMPETENTE. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E DENEGADO. I – Um juízo de primeiro grau não pode rescindir um acórdão de instância superior, mesmo na hipótese de existência de nulidade absoluta, sob pena de violação das normas processuais penais e constitucionais relativas à divisão de competência. II – Agiu bem o Superior Tribunal de Justiça ao afirmar que não compete ao juízo da execução reconhecer uma nulidade, ainda que absoluta, ocorrida no curso de processo findo, ocasionando verdadeira rescisão de decisão proferida por instância superior. III – Também não caberia ao STJ analisar, per saltum, a alegada nulidade absoluta, pois a Corte Regional limitou-se a anular a decisão do juízo da execução que rescindiu indevidamente o seu julgado, sem manifestar-se, expressamente, sobre eventual nulidade decorrente da ausência de intimação do paciente. IV – Pelos mesmos fundamentos, não pode esta Corte analisar o pedido de anulação da ação penal, sob pena de indevida supressão de instância, com evidente extravasamento dos limites da competência outorgada no art. 102 da Constituição Federal. V – Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado.
(HC 110358, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 12/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-150 DIVULG 31-07-2012 PUBLIC 01-08-2012)

domingo, 24 de março de 2013

A confissão no processo penal


Assumindo os próprios erros: a importância da confissão espontânea no processo penal

Reconhecer a autoria do crime é atitude de especial relevância para o Judiciário. O réu pode contar com a atenuante da pena e colaborar com as investigações em curso. Pode contribuir ainda com um julgamento mais célere e com a verdade dos fatos. Mas em que circunstâncias a admissão do crime implica realmente benefício para o culpado e qual a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto? 

O artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal dispõe que a confissão espontânea de autoria do crime é circunstância que atenua a pena. Assim, aqueles que, em tese, admitirem a autoria do fato em presença de uma autoridade terá como prêmio uma pena mais branda. O primeiro elemento exigido pela lei, então, é a confissão ser voluntária; a segunda é que seja em presença de autoridade. 

A autoridade pode ser tanto o delegado de polícia, o magistrado ou o representante do Ministério Público. É entendimento do STJ que não cabe ao magistrado fazer especulações sobre os motivos que conduziram o réu a admitir a culpa. A jurisprudência dispõe que a confissão, prevista no texto da lei, é de caráter meramente objetivo. Isso significa que o acusado não precisa apresentar motivação específica ou qualquer outro requisito subjetivo para sua caracterização (HC 129.278). 

Arrependimento 

O STJ entende que pouco importa o arrependimento ou a existência de interesse pessoal do réu ao admitir a culpa. A atenuante tem função objetiva e pragmática de colaborar com a verdade, facilitando a atuação do Poder Judiciário. “A confissão espontânea hoje é de caráter meramente objetivo, não fazendo a lei referência a motivos ou circunstâncias que a determinaram,” assinalou o ministro Paulo Gallotti, ao apreciar um habeas corpus de Mato Grosso do Sul (HC 22.927). 

É entendimento também do STJ de que não importa se o réu assumiu parcial ou totalmente o crime ou mesmo se houve retratação posterior. “Se a confissão na fase inquisitorial, posteriormente retratada em juízo, alicerçou o decreto condenatório, é de ser reconhecido o benefício da atenuante do artigo 65, III, alínea d, do CP”, assinalou a ministra Laurita Vaz em um de seus julgados. (HC 186.375). 

“A confissão, realizada diante de autoridade policial quanto a um delito de roubo, mesmo que posteriormente retratada em juízo, é suficiente para incidir a atenuante quando expressamente utilizada para a formação do convencimento do julgador”, assinalou o ministro Jorge Mussi em um julgado. Segundo ele, pouco importa se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial (HC 217.687). 

Os magistrados entendem que a lei não faz ressalva em relação à maneira como o agente pronunciou a confissão. A única exigência legal, segundo a Corte, é que essa atenuante seja levada em consideração pelo magistrado quando da fixação da pena (HC 479.50). Mesmo havendo retratação em juízo, segundo o STJ, se o magistrado usar da confissão retratada como base para o reconhecimento da autoria do crime, essa circunstância deve ser levada em consideração no momento da dosimetria da pena (HC 107.310). 

Confissão qualificada

O STJ tem se posicionado no sentido de que não cabe a atenuante em casos de confissão qualificada – aquela em que o acusado admite a autoria, mas alega ter sido acobertado por causa excludente da ilicitude. É o caso de um réu confessar o crime, mas alegar que agiu em legítima defesa. 

Isso porque, segundo uma decisão da Sexta Turma, nesses casos, o acusado não estaria propriamente colaborando para a elucidação do crime, mas agindo no exercício de autodefesa (REsp 999.783). 

Na análise de um habeas corpus oriundo do Rio Grande do Sul, a Quinta Turma reiterou o entendimento de que a confissão qualificada não acarreta o reconhecimento da atenuante. No caso, um réu atirou em policiais quando da ordem de prisão, mas não admitiu o dolo, alegando legítima defesa (HC 129.278). 

“A confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou exculpantes, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal”, sustentou a ministra Laurita Vaz, na ocasião do julgamento. A versão dos fatos apresentada pelo réu não foi utilizada para embasar sua condenação. 

Personalidade do réu 

A atenuante da confissão, segundo decisões de alguns ministros, tem estreita relação com a personalidade do agente. Aquele que assume o erro praticado, de forma espontânea – ou a autoria de crime que era ignorado ou atribuído a outro – denota possuir sentimentos morais que o diferenciam dos demais. 

É no que acredita a desembargadora Jane Silva, que atuou em Turma criminal no STJ, defendendo a seguinte posição: “Penso que aquele que confessa o crime tem um atributo especial na sua personalidade”, defendeu ela, “pois ou quer evitar que um inocente seja castigado de forma não merecida ou se arrependeu sinceramente”. E, mesmo não se arrependendo, segundo a desembargadora, o réu merece atenuação da pena, pois reconhece a ação da Justiça – “à qual se sujeita”, colaborando com ela. 

A desembargadora definiu a personalidade como conjunto de atributos que cada indivíduo tem e desenvolve ao longo da vida até atingir a maturidade; diferentemente do caráter, que, segundo ela, é mutável. Dessa forma, o réu que confessa espontaneamente o crime "revela uma personalidade tendente à ressocialização, pois demonstra que é capaz de assumir a prática de seus atos, ainda que tal confissão, às vezes, resulte em seu prejuízo, bem como se mostra capaz de assumir as consequências que o ato criminoso gerou, facilitando a execução da pena que lhe é imposta” (REsp 1.012.187). 

Reincidência

No Brasil, conforme previsão do artigo 68 do Código Penal, o juiz, no momento de estabelecer a pena de prisão, adota o chamado sistema trifásico, em que primeiro define a pena-base (com fundamento nos dados elementares do artigo 59: culpabilidade, antecedentes, motivação, consequências etc.), depois faz incidir as circunstâncias agravantes e atenuantes (artigos 61 a 66) e, por último, leva em conta as causas de aumento ou de diminuição da pena. 

A Terceira Seção decidiu em maio do ano passado, por maioria de votos, que, na dosimetria da pena, devem ser compensadas a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência, por serem igualmente preponderantes. A questão consistia em definir se a agravante da reincidência teria maior relevo ou se equivalia à atenuante da confissão. A solução foi dada com o voto de desempate da ministra Maria Thereza de Assis Moura (EREsp 1.154.752) 

Segundo explicação do desembargador convocado Adilson Macabu, proferida no curso do julgamento, o artigo 65 do Código Penal prevê as circunstâncias favoráveis que sempre atenuam a pena, sem qualquer ressalva, e, em seguida, o artigo 67 determina uma agravante que prepondera sobre as atenuantes. Os ministros consideraram na ocasião do julgamento da Terceira Seção que, se a reincidência sempre preponderasse sobre a confissão, seria mais vantajoso ao acusado não confessar o crime e, portanto, não auxiliar a Justiça. 

O entendimento consolidado na ocasião é que a confissão revela traço da personalidade do agente, indicando o seu arrependimento e o desejo de emenda. Assim, nos termos do artigo 67 do CP, o peso entre a confissão – que diz respeito à personalidade do agente – e a reincidência – expressamente prevista no referido artigo como circunstância preponderante – deve ser o mesmo. Daí a possibilidade de compensação. 

Autoincriminação

No julgamento de um habeas corpus em que aplicou a tese firmada pela Terceira Seção, o desembargador Adilson Macabu considerou que a confissão acarreta “economia e celeridade processuais pela dispensa da prática dos atos que possam ser considerados desnecessários ao deslinde da questão”. Também acrescentou que ela acarreta segurança material e jurídica ao conteúdo do julgado, pois a condenação reflete, de maneira inequívoca, a verdade real, buscada inexoravelmente pelo processo (HC 194.189). 

O magistrado destacou que a escolha do réu ao confessar a conduta “demonstra sua abdicação da proteção constitucional para praticar ato contrário ao seu interesse processual e criminal”, já que a Constituição garante ao acusado o direito ao silêncio e o direito de não se autoincriminar. “Por isso deve ser devidamente valorada e premiada como demonstração de personalidade voltada à assunção de suas responsabilidades penais”, concluiu Macabu. 

Condenação anterior

No julgamento de um habeas corpus, contudo, a Quinta Turma do STJ adotou o entendimento de que, constatado que o réu possui condenação anterior por idêntico delito, geradora de reincidência, e que há uma segunda agravante reconhecida em seu desfavor (no caso, crime cometido contra maior de 60 anos), não há constrangimento ilegal na negativa de compensação das circunstâncias legais agravadoras com a atenuante da confissão espontânea (HC 183.791). 

Sobre o tema, o STJ tem entendimento de que a atenuante da confissão espontânea não reduz pena definida no mínimo legal, nem mesmo que seja de forma provisória. A matéria se enquadra na Súmula 231, do STJ. 

Flagrante

Em relação à atenuante quando da ocorrência da prisão em flagrante ou quando há provas suficientes nos autos que possam antecipadamente comprovar a autoria, as Turmas criminais do STJ entendem que “a prisão em flagrante, por si só, não constitui fundamento suficiente para afastar a incidência da confissão espontânea”. Com isso, foi reformada a decisão proferida pela instância inferior (HC 68.010). 

Em um caso analisado pelo STJ, um réu foi flagrado transportando 6,04 quilos de cocaína e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), na análise de fixação da pena, não considerou a atenuante da confissão espontânea, ao argumento de que o réu foi preso em flagrante (REsp 816.375). 

Em outra decisão, sobre o mesmo tema, a Quinta Turma reiterou a posição de que “a confissão espontânea configura-se tão somente pelo reconhecimento do acusado em juízo da autoria do delito, pouco importando se o conjunto probatório é suficiente para demonstrá-la ou que o réu tenha se arrependido da infração que praticou” (HC 31.175). 

Fonte: STJ - Matéria Especial

Botão de pânico

Por Alice Bianchini*

A finalidade do botão de pânico é proteger mulheres que obtiveram a concessão de medidas protetivas de urgência, sobretudo a proibição de aproximação do agressor com a fixação de limite mínimo de distância.


Na tentativa de reduzir as estatísticas alarmantes, o TJES lançou no dia 4 de março de 2013, de forma pioneira, um programa que vai adotar o botão de pânico. Sua finalidade é de proteger mulheres que obtiveram a concessão de medidas protetivas de urgência, sobretudo a proibição de aproximação do agressor com a fixação de limite mínimo de distância (art. 22, III, “a”, da Lei 11.340/06).[1]
A utilização do aparelho caberá à própria vítima, que o acionará nas situações de perigo, como o iminente contato por parte do potencial agressor. Simultaneamente, o dispositivo enviará uma mensagem aos órgãos de Polícia Judiciária, bem como à Justiça, sendo possível a localização da vítima pelo sistema de GPS, bem como a gravação do som ambiente, quando autorizado.[2]
O botão do pânico pode ser facilmente carregado nas bolsas das mulheres capixabas, já que possui apenas cinco centímetros e funciona com um chip interno.
Mapa da Violência 
A preocupação do Estado do Espírito Santo justifica-se de maneira empírica. Segundo o Mapa da Violência 2012[3], trata-se da unidade federativa que apresenta a maior taxa de homicídios contra mulheres: 9,8 casos para cada 100 mil (a média brasileira é de 4,6 ; portanto, o Estado apresenta mais do que o dobro da taxa nacional e quase quatro vezes mais o índice do Piauí, que detém a menor média do país). Confira-se na tabela abaixo:
1
Vitória será a primeira cidade capixaba a adotar o botão do pânico. Dentre as capitais, ela figura como a que apresenta o maior índice de homicídios femininos: 13,2 para cada 100 mil mulheres (a média das capitais brasileiras é de 5,4)[4]:
2
Nos últimos cinco anos, as autoridades judiciais concederam cerca de 13,6 mil medidas protetivas a mulheres vítimas de agressões ou ameaças.[5] 
Outro dado importante a ser considerado: 70% das mulheres assassinadas no Espírito Santo são vítimas do marido, conforme dados trazidos presidente do TJES, desembargador Pedro Valls Feu Rosa.[6] 
Polêmica
De um lado, há quem entenda ser uma ideia benéfica: segundo a professora da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), Vanda Valadão, do Núcleo de Estudos da Violência, essa é “uma medida positiva”, desde que “equacionada a questão do efetivo policial” para esse fim. De outro, há aqueles que temem a utilização do aparato: o Jornal FSP apurou que a cúpula da Secretaria Estadual de Segurança Pública acredita ser impraticável no caso de muitas mulheres apertarem o botão ao mesmo tempo, o que congestionaria o trabalho dos órgãos policiais[7].
Conclusão 
Não obstante os argumentos acima mencionados, deve-se reconhecer que o aparato antipânico tende a implementar aquilo que mais se critica na Lei Maria da Penha: a fiscalização das medidas protetivas de urgência. De fato, de nada adianta a previsão de uma série de providências acautelatórias se não houver mecanismos eficazes para efetivá-las.

*Alice Bianchini, Doutora em Direito Penal (PUC-SP). Mestre em Direito (UFSC). Diretora do Instituto LivroeNet e do Portal www.atualidadesdodireito.com.br. Coordenadora do Curso de Especialização em Ciências penais da Anhanguera-Uniderp/LFG. Presidenta do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal. Possui diversos livros e artigos publicados no Brasil e no exterior. 
Pesquisa e coleta de dados realizadas por:
Maria Cecília Guimarães Alfieri, Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (EPD).
Fonte: Atualidades do Direito.

[2] O aparelho é fabricado na China e, segundo o TJ, cada unidade custará até R$ 80 para ser importado.
[3] Mapa da Violência. Brasil. 2012. Disponível emhttp://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_atual_mulheres.pdf. p. 11.    Acessado em 27.02.13.
[4] Idem. p. 12.
[6] Mulheres do ES terão “botão de pânico” contra ex-parceiros agressores.
 

terça-feira, 12 de março de 2013

Sua Excelência, Ministro Marco Aurélio:

"Não me canso de dizer que se paga um preço por se viver em um Estado de Direito. E esse preço não é o atropelo, não é o justiçamento, não é a punição a ferro e fogo; é a observância, principalmente presentes as franquias constitucionais, da ordem jurídica."
(HC 95.244/PE, 2010, voto do Ministro Marco Aurélio)

Cirurgia de mudança de sexo


O juízo da Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales (SP) concedeu liminar para determinar que a Fazenda Pública Estadual de São Paulo forneça todos os meios materiais para que paciente do sexo masculino seja submetido à cirurgia de mudança de sexo. Ainda cabe recurso da decisão.

Caso – Homem ajuizou ação em face da Fazenda Pública Estadual de São Paulo, pleiteando em síntese, a concessão de liminar para que lhe fosse concedido o direito de realizar cirurgia de transgenitalização, ou seja, mudança de sexo, custeada pelo Estado.

De acordo com os autos, o autor nasceu sob o sexo masculino, no entanto, sente como se pertencesse ao sexo feminino desde os sete anos de idade, sendo diagnosticado como portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual. 

Argumenta ainda o requerente que procurou o Hospital de Base de São José do Rio Preto, e chegou a iniciar tratamento social e psicológico, garantindo a realização da cirurgia de mudança de sexo, mas que, posteriormente, a possibilidade da operação foi suspensa.

Decisão – O juiz prolator da decisão, Fernando Antônio Lima, concedeu a liminar pleiteada, determinando que, na possibilidade de descumprimento da decisão, seja feito bloqueio de verba pública necessária para a realização do procedimento, com base em orçamentos de hospitais particulares que deverão ser juntados ao processo.

Foi ressaltado ainda pelo magistrado, que os laudos psicológicos e atestados psiquiátricos informam que a situação vivida pela parte tem causado sofrimentos mentais, com sintomas depressivos, razão pela qual foi recomendada a cirurgia. 

Desta forma, ponderou o julgador: “situações constrangedoras vêm assomando à parte-requerente, no dia a dia, como, por exemplo, na exigência constante de apresentar documentos e justificar a identidade sexual. Ora, deferir a tutela antecipada servirá para evitar dano de difícil ou de incerta reparação”. O magistrado determinou ainda que seja realizada a alteração no registro civil para que passe a constar o nome feminino e se modifique o gênero. 

O número do processo não foi fornecido. (Fonte: Fato Notório)

quarta-feira, 6 de março de 2013

O STF e o Habeas Corpus: Morde e Assopra


2ª Turma: HC não deve restringir-se ao direito imediato de ir e vir (05/03/2013)

   A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou, nesta terça-feira (5), tendência jurisprudencial da Suprema Corte no sentido de que o Habeas Corpus (HC) não é cabível somente em caso de ameaça direta ao direito de ir e vir, mas também nas hipóteses de ameaça reflexa ou até remota a esse direito fundamental.
   Com esse entendimento, o colegiado concedeu, por unanimidade, o HC 112851 a C.W.S.O. para determinar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que decida, em um de seus colegiados, um HC lá impetrado que questionava decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). A corte regional concedeu parcialmente o habeas lá impetrado, no qual a defesa requeria a anulação dos efeitos de mandado de busca e apreensão determinado nas empresa de que C.W.S.O. é sócio, sob acusação, entre outros, de crime contra a ordem tributária (artigo 1º da Lei 8.137/1990) e sonegação de contribuições previdenciárias (artigo 337-A do Código Penal – CP).
   O caso tem origem no mandado de busca e apreensão de equipamentos e documentos nas empresas mencionadas, expedido pelo juízo da 10ª Vara Federal em Brasília. A defesa recorreu dessa decisão ao TRF-1, alegando falta de justa causa, já que o suposto débito fiscal ainda não fora oficialmente constituído. Além disso, a decisão teria ferido o princípio do juiz natural, uma vez que o juízo responsável pelo caso seria a 12ª Vara Federal Criminal de Brasília, que já se teria pronunciado sobre a suposta sonegação fiscal, nos autos de outra ação. O TRF-1, no entanto, concedeu parcialmente a ordem, determinando a devolução apenas de documentos não compreendidos no período entre janeiro de 2006 e dezembro de 2008, objeto da investigação nas empresas.
   Em relação a essa decisão, a defesa impetrou HC no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relator do processo, no entanto, não conheceu do pedido (decidiu que não caberia àquela corte julgar seu mérito), porquanto não haveria risco imediato à liberdade de locomoção do acusado. Segundo o ministro, não havia mandado de prisão contra ele. Tampouco haveria esse risco pela via oblíqua ou reflexa. Ademais, de acordo com o ministro do STJ, no caso, o HC estava sendo utilizado como sucedâneo de recurso ordinário. No mesmo sentido se manifestou a Procuradoria-Geral da República, na sessão desta terça-feira.
   Ao recorrer ao Supremo contra essa decisão, a defesa pediu que fosse determinado ao STJ julgar o mérito da questão. Alegou, em primeiro lugar, que o mandado de busca e apreensão determinado pelo juízo da 10ª Vara Federal em Brasília poderá desaguar em ação penal, aí sim ameaçando o direito de ir e vir do autor do recurso. Além disso, reiterou o argumento de ofensa ao princípio do juiz natural e da ausência de justa causa para a busca e apreensão.
Decisão
   O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, pronunciou-se pela concessão do HC, determinando ao STJ que julgue, no mérito, o HC lá impetrado. Ele lembrou que a tendência pela ampliação do espectro do HC já começou a firmar-se na Suprema Corte sob a égide da Constituição de 1891 e se consolidou posteriormente, mesmo com o advento do mandado de segurança, em 1934, destinado a proteger o indivíduo contra o abuso de poder.
“Incomoda-me restringir seu espectro (o do HC) de tutela”, observou o ministro Gilmar Mendes, observando que o HC é cabível quando há ameaça a direito fundamental de feição judicial. Segundo ele, embora não haja, no caso hoje julgado, ameaça imediata à liberdade de ir e vir, essa ameaça ficou subjacente quando se validou um mandado de busca e apreensão sem justa causa e com violação do princípio do juiz natural. “Penso ser cabível, porque o paciente está sujeito a ato restritivo do Poder estatal”, afirmou o ministro.
No mesmo sentido se pronunciaram o ministro Celso de Mello e o presidente da Turma, ministro Ricardo Lewandowski. O primeiro deles apoiou os argumentos do ministro Gilmar Mendes, observando que o recurso do HC não pode ser comprometido com uma interpretação restritiva como a que lhe foi dada pelo ministro do STJ. Tal visão, segundo ele, “compromete um dos instrumentos mais caros de amparo às liberdades individuais no país”.
   Ao endossar o voto dos dois ministros, o ministro Ricardo Lewandowski fundamentou seu voto em três argumentos: a falta de justa causa para o mandado de busca e apreensão, a incompetência do juízo e, ainda, segundo ele, ofensa ao princípio da colegialidade, pelo fato de um ministro do STJ ter decidido não julgar o mérito do HC lá impetrado. Por isso, ele determinou que o STJ julgue o HC em colegiado.
   O ministro Teori Zavascki acompanhou a decisão da Turma no mérito. (Fonte: Site do STF)

-----
1ª Turma do STF muda entendimento para inadmitir pedido que substitui recurso em HC  (08/08/2012):


   A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reformou seu entendimento para não mais admitir habeas corpus que tenham por objetivo substituir o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC). Segundo o entendimento da Turma, para se questionar uma decisão que denega pedido de HC, em instância anterior, o instrumento adequado é o RHC e não o habeas corpus.
   A mudança ocorreu durante o julgamento do Habeas Corpus (HC) 109956, quando, por maioria de votos, a Turma, acompanhando o voto do relator do processo, ministro Marco Aurélio, considerou inadequado o pedido de habeas corpus de um homem denunciado pela prática de crime de homicídio qualificado, ocorrido na cidade de Castro, no Paraná. A Turma também entendeu que as circunstâncias do caso concreto não viabilizavam a concessão da ordem de ofício.
   O réu pretendia obter a produção de novas provas e já havia feito o pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).  Em ambas as instâncias o pedido foi rejeitado. Contra a negativa, a defesa impetrou habeas corpus no STF, em vez de apresentar um RHC. Segundo o ministro Marco Aurélio, relator, há alguns anos o Tribunal passou a aceitar os habeas corpus substitutivos de recurso ordinário constitucional, mas quando não havia a sobrecarga de processos que há hoje.
   A ministra Rosa Weber acompanhou o voto do ministro-relator no que chamou de “guinada de jurisprudência”, por considerar o habeas, em substituição ao RHC, um meio processual inadequado.
   A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e o ministro Luiz Fux também votaram no sentido do novo entendimento.

   Divergência
   O presidente da Turma, ministro Dias Toffoli, divergiu do relator e se manteve alinhado ao procedimento até agora adotado pela Corte, entendendo cabível o habeas corpus. “Desde o Código Processual Penal do Império é previsto que sempre que um Juízo ou Tribunal se depare com uma ilegalidade, ele a [ordem] conceda, mesmo que de ofício e mesmo em autos que não sejam de matéria criminal. Eu não vejo como colocar peias à viabilização do acesso do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário”, disse o ministro antes de proclamar a mudança na jurisprudência da Turma.

   Preliminar
   A questão foi decidida no julgamento do HC 109956, mas começou a ser discutida quando a Turma analisou o HC 108715, durante a apresentação de uma questão preliminar no voto do relator do processo, ministro Marco Aurélio. (...)
   Em sua preliminar, o ministro defendeu que a Turma não mais admitisse o uso do Habeas Corpus para substituir o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC). O ministro Marco Aurélio observou que o STF recebeu somente no primeiro semestre deste ano 2.181 HCs, contra apenas 108 Recursos Ordinários em Habeas Corpus.
   Citou como exemplo ainda o caso do Superior Tribunal de Justiça, onde, segundo ele, ocorre a mesma distorção com a impetração de 16.372 habeas corpus e apenas 1.475 recursos ordinários. 
   “O habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, além de não estar abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior, não existindo sequer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea “a”, e 105, inciso II, alínea “a”, tem-se a previsão do recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo, para o Supremo, contra decisão proferida por Tribunal Superior indeferindo ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça contra ato de Tribunal Regional Federal e de Tribunal de Justiça”, apontou o relator.
   O ministro Marco Aurélio acrescentou que “o Direito é avesso a sobreposições e impetrar-se novo habeas, embora para julgamento por tribunal diverso, impugnando pronunciamento em idêntica medida implica inviabilizar, em detrimento de outras situações em que requerida, a jurisdição”.
   Ainda segundo o ministro, a mudança de entendimento na Turma não acarretará prejuízo àquele que já impetrou o habeas corpus como substituto de recurso ordinário, “ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício”, explicou o ministro em seu voto.
   O julgamento desse habeas corpus (108715) foi interrompido por um pedido de vista do ministro Luiz Fux, que na preliminar acompanhou o relator. O ministro Luiz Fux lembrou que assim como o Tribunal já decidiu que não cabe Mandado de Segurança como substituto de recurso ordinário (RMS), assim também deve ser para “não vulgarizar a utilização do habeas corpus”.
   O ministro Fux, porém, pediu mais tempo para analisar se acompanha ou não o relator quanto à concessão do habeas de ofício, para o trancamento da ação penal na parte relativa à prática de organização criminosa. Os demais ministros da Turma vão aguardar a apresentação do voto-vista do ministro Fux.
   Contudo, em razão do periculum in mora (perigo na demora) presente no caso concreto, uma vez que a instrução processual já se concluiu e o processo aguarda prolação de sentença, a Turma, por unanimidade, acolheu a proposta do relator e concedeu medida liminar para suspender a tramitação do processo na instância de origem, até o final julgamento do habeas corpus, que deverá retornar a julgamento com o voto-vista do ministro Luiz Fux. (Fonte: Site do STF)


sexta-feira, 1 de março de 2013

Audiência pública no STF discutirá substituição de pena em regime semiaberto por prisão domiciliar


   O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes convocou audiência pública para discutir a possibilidade de fixar a prisão domiciliar aos condenados em regime semiaberto quando não existir estabelecimento que atenda aos requisitos da Lei de Execução Penal (LEP). A questão é tema de um Recurso Extraordinário (RE 641320) que já teve repercussão geral reconhecida pelo STF. De forma mais ampla, o tribunal discutirá a possibilidade do cumprimento de pena em regime menos gravoso quando o Estado não dispuser, no sistema penitenciário, de vaga no regime indicado na condenação.
   De acordo com o ministro Gilmar Mendes, a audiência pública poderá contribuir com esclarecimentos técnicos, científicos, administrativos, políticos, econômicos e jurídicos a partir do depoimento de autoridades e membros da sociedade em geral sobre o tema.
   Conforme salientou o ministro na convocação, a discussão com a participação da sociedade é importante, “tendo em vista as consequências que a decisão desta Corte terá em relação a todo o sistema penitenciário brasileiro, com inevitáveis reflexos sobre os atuais regimes de progressão prisional; os questionamentos que essa discussão poderá suscitar em relação à individualização e à proporcionalidade da pena e ao tratamento penitenciário, que impõe o estrito cumprimento da Constituição, de pactos internacionais e da Lei de Execuções Penais; bem como a necessidade de se conhecer melhor as estruturas e condições dos estabelecimentos destinados, em todo o país, aos regimes de cumprimento de pena e às medidas socioeducativas”.
Inscrições de especialistas
   Os interessados em trazer suas contribuições para o debate já podem encaminhar um e-mail para o endereço regimeprisional@stf.jus.br com a indicação dos representantes que falarão por cada órgão ou entidade.
   O ministro Gilmar Mendes já determinou o envio de convites a autoridades como o presidente da Câmara dos Deputados; o presidente do Senado Federal; o ministro da Justiça; a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, assim como ao procurador-geral da República, ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ao defensor-público-geral da União.
   Em seu despacho, o ministro ainda sugere que sejam convidados representantes de entidades como secretarias estaduais de segurança pública, justiça e administração penitenciária ou responsáveis pelo sistema prisional e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen-MJ), além de outros órgãos ligados ao sistema carcerário brasileiro.
Ainda não há data fixada para a realização da audiência pública. (Fonte: Site do STF)