quarta-feira, 11 de abril de 2012

Depoimento de quem já vivenciou uma gravidez de anencéfalo


Enquanto a votação - que tem, até agora, 5 votos favoráveis à liberação do "aborto" de feto anencéfalo - não é retomada, compartilho aqui o relato de uma mulher que teve a triste vivência de gestar um feto sem cérebro. 

É importante que, em meio a toda a discussão jurídica e religiosa que permeia esse ponto, estejamos atentos e cientes dos sentimentos de quem é o foco da relevante decisão que está por vir: a mulher, a gestante, a mãe.


"Meu nome é Cátia Corrêa Fonseca. Eu engravidei pela primeira vez aos 23 anos. Fazia o pré-natal normalmente, mas no 5º mês, por meio de um ultra-som de rotina, meu médico disse que havia um “probleminha” com o bebê. Não me disse o que era, apenas afirmou que me encaminharia para o ginecologista Thomaz Gollop.

Só consegui a consulta com ele no 7º mês de gravidez. Ao realizar os exames, Thomaz foi categórico: o bebê era anencéfalo e apresentava vários defeitos genéticos que eram incompatíveis com a vida. Meu mundo desabou.

Minha mãe estava comigo dentro da sala acompanhando os exames. Quando soubemos que meu bebê não sobreviveria, ela caiu no chão. Jamais vou esquecer desta cena: a tela do ultra-som na minha frente e minha mãe caída.

Ao explicar os resultados dos exames, Dr. Thomaz disse que havia um caso parecido como o meu no Sul e que a Justiça havia concedido uma decisão favorável para a interrupção da gravidez e perguntou se eu gostaria de tentar.

Apesar de ser contra aborto, eu disse sim. Embora a gravidez não fosse planejada, não era uma situação em que eu não queria meu bebê. Desde o primeiro momento eu já amava minha menininha, a Natalie.

A minha barriga crescia muito mais que o normal e doía demais. Quando eu andava, precisava me sentar nas calçadas de tanta dor. O bebê mexia muito, mais que em uma gravidez normal, pois não tinha coordenação motora. A forma da minha barriga era esquisita, não sei explicar, mas era estranha.

O meu lado psicológico também foi bastante afetado. Qual é a primeira pergunta que se faz a uma grávida? “Já sabe o sexo?” ,“Quando nasce?” ,“E o enxoval, você já está fazendo?” . Eu evitava sair na rua para não ter que mentir ou chorar a cada pergunta dessas, que eram a morte para mim. Eu tinha um bebê que ia nascer condenado, nasceria morto ou morreria horas depois do parto. Não podia fazer enxoval, nem comprar nada para o meu bebê, ele não usaria….

O que é para uma mulher ver sua vida transformada sem poder fazer nada? A Justiça foi, sim, a minha melhor decisão. Quando saiu a deliberação, eu tive medo da resposta, já que essa era a minha última esperança.

A decisão foi favorável. Fui ao hospital na data marcada pelo Dr. Thomaz . Ele me deu todo o apoio necessário. No dia 14 de setembro de 1993 o meu parto foi induzido. O procedimento foi muito difícil, com momentos terríveis. O bebê estava sentado, o que dificultou na hora do parto. Só não tive sequelas físicas porque ele era pequeno, com 0,5 kg. Embora traumático, tomei um medicamento pra secar o leite.

Digo não ao aborto, digo não para o abandono e maus tratos, mas digo sim a interrupção da gravidez de anencéfalos. Digo sim pelas minhas próprias dores, eu vivi isso. Negar esse direto a uma mulher é condená-la a carregar um defunto na barriga. É condená-la a não amar seu corpo. É condená-la até o fim da gestação, porque o bebê que cresce e mexe dentro dela, não poderá ser segurado, afagado e amado por ela. E é isso que uma mulher grávida quer: amar seu filho e ser amada por ele".

Fonte: http://drauziovarella.com.br

Um comentário:

  1. interessante, Laurisse...bem interessante. Fico imaginando como deve ser para uma gestante uma situação dessas...e esta ai, relatado. Qualquer decisão de interrupção de gravidez deve ser absolutamente traumatizante, sendo de um feto anencefálico ou não. Particularmente, defendo a descriminalização do aborto e refuto qualquer argumento em sentidos religiosos eis que vivemos em um pais laico e democrático. Cada um tem as rédeas de sua vida e quaisquer consequencias "espirituais" devem ser encaradas por aqueles que nessas acreditam. Particularmente, também, por motivos pessoais, acredito que dificilmente eu optaria por uma interrupção mas acredito que essa opção não pode ser absolutamente retirada das mulheres. Talvez o arrependimento e a culpa surjam apos, mas o Estado não pode querer obstruir decisões como essa "pelo bem" de seus cidadãos.

    ResponderExcluir

O espaço é aberto ao debate. Participe. Dê o seu pitaco. Exercite seu direito fundamental à liberdade de expressão. Aproveite que "dar pitacos" ainda não é fato gerador de tributo!