sábado, 31 de março de 2012

A criminalização da pobreza






Entrevista com Vera Malaguti Batista

Para a socióloga Vera Malaguti Batista, professora de Criminologia da 
Universidade Cândido Mendes, há um equívoco em relacionar a “questão
 
criminal com a pobreza.” Em sua opinião, essa proposição se coloca de uma
 
maneira “quase ofensiva à pobreza. É como se a pobreza produzisse a
 
criminalidade. Quem trabalha na perspectiva da criminologia crítica costuma
 
dizer que a pobreza é criminalizada.” As opiniões foram dadas por telefone,
 
em entrevista à IHU On-Line.
 


Batista é graduada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC-Rio e em 
Sociologia com Menção em Metodologia pela Universidade Nacional Autônoma de
 
Heredia, na Costa Rica. Cursou mestrado em História pela Universidade
 
Federal Fluminense (UFF) com a dissertação Difíceis ganhos fáceis – drogas e
 
juventude pobre no Rio de Janeiro, publicada pelo Instituto Carioca de
 
Criminologia (ICC) em 1998. Doutorou-se pela UERJ com a tese O medo na
 
cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história, publicada pela
 
editora Revan, do Rio de Janeiro, em 2003. Atualmente Batista é membro do
 
conselho superior do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a
 
Prevenção do Delito (ILANUD) e do ICC.
 


IHU On-Line - Em entrevista concedida ao sítio A nova democracia a senhora 
diz que “não é que a pobreza produza criminalidade; a pobreza é
 
criminalizada”. O que exatamente isso significa?
 
Vera Malaguti Batista - Às vezes, há uma falsa posição que relaciona a 
questão criminal com a miséria e a pobreza. Os mais conservadores fazem essa
 
associação, e isso fica equacionado de uma forma quase ofensiva à pobreza. É
 
como se a pobreza produzisse a criminalidade. Quem trabalha na perspectiva
 
da criminologia crítica costuma dizer que a pobreza é criminalizada. Abordo
 
isso na minha dissertação de mestrado que foi publicada com o título
 
Difíceis Ganhos Fáceis: droga e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2. ed.
 
Rio de Janeiro: Revan, 2003. A pesquisa foi feita por meio da análise
 
histórica dos processos em que adolescentes são presos por problemas
 
relacionados às drogas e mostrou a diferença com que o sistema tratava os
 
meninos dependendo da origem social, étnica e do local de moradia. Uma das
 
conclusões a que cheguei é que a diferenciação no tratamento não está
 
relacionada à droga em si, mas aos meninos. Essa seria uma estratégia de
 
controle dessa juventude popular. A nossa política criminal de drogas é só
 
mais uma parte de uma história de criminalizações. Capoeira, samba e funk no
 
Rio de Janeiro são manifestações culturais criadas nas favelas sobre as
 
quais é lançado um olhar preconceituoso e criminalizante.
 


IHU On-Line - A senhora disse que a rebelião nos presídios não é mais do que 
um mito da “política de segurança conservadora que é promovida há dez anos”.
 
Poderia explicar esse mito?
 
Vera Malaguti Batista - As rebeliões são decorrentes da catástrofe que nós 
estamos vivendo de políticas completamente equivocadas e absurdas. A tese
 
com que trabalho – não só eu, mas autores internacionais como Zygmunt
 
Bauman[1] e Zaffaroni[2] – é a de que faz parte do neoliberalismo uma
 
maneira de pensar a questão criminal, ou seja, uma estratégia de
 
criminalização da pobreza. Esse modelo vem principalmente dos EUA – aliás,
 
eles têm uma política penitenciária elogiada pelo Jornal Nacional e pela
 
Rede Globo todos os dias.
 


Um mix de Guantánamo e Carandiru 
Essa política penal produziu taxas de encarceramento enlouquecidas no mundo 
todo onde esse modelo impera. É uma maneira neoliberal de trabalhar as
 
questões sociais criminalizando, aumentando as penas, apostando num modelo
 
onde se superlota o sistema penitenciário e não se dá uma esperança de
 
saída. As penas são cada vez mais longas, e os castigos, maiores. Eu digo
 
que nosso sistema penitenciário é um mix, um misto de Guantánamo[3] e
 
Carandiru[4]. É o rigor penitenciário de Guantánamo com as condições
 
infra-humanas do Carandiru. Essa é uma receita exclusiva, que, dentro do
 
sistema, se comunica também com a exclusividade na periferia, que vem da
 
desesperança tanto política como econômica e cultural. Li no jornal Folha de
 
São Paulo, que, nos primeiros levantamentos, se verificou que a juventude da
 
periferia paulista, apesar de não ter nenhuma relação com o PCC, apoiava as
 
ações contra a polícia. Este é um panorama exclusivo. A resposta da polícia
 
não vai melhorar esse problema, nós estamos numa rota suicida. Toda vez que
 
a questão explode de forma dolorosa – com mais mortes de policiais porque
 
tanto os policiais quanto as pessoas que trabalham dentro do sistema nunca
 
tiveram condições tão ruins, eles também estão sendo brutalizados e morrendo
 
– as questões de fundo não são discutidas pela grande imprensa, pelo
 
contrário, parece que se faz questão de esconder essa explosão. O
 
oportunismo eleitoral leva a apostar mais no veneno que não está matando.
 


IHU On-Line - Há dissonâncias entre a forma como é retratado o PCC, Primeiro 
Comando da Capital, como uma poderosa máfia de narcotráfico paulista e a
 
realidade desse movimento?
 
Vera Malaguti Batista - Os norte-americanos trabalharam um conceito chamado 
“rotulacionismo”, o sistema penal cria rótulos. Outro conceito é o da
 
“autoprofecia” realizável, quando se barbariza muito um grupo de pessoas
 
eles acabam incorporando aqueles preconceitos e estereótipos que foram
 
auferidos. Quando tratamos como monstros os que entraram no sistema por
 
pequenos delitos, estamos potencializando suas falhas. Quando olhamos a
 
história de vida dos “grandes traficantes’ ou “inimigos” no Rio de Janeiro
 
vemos que eram meninos comuns, que freqüentavam escola pública. A maneira de
 
encarar esses problemas vai brutalizando as pessoas e a polícia. A polícia
 
nunca foi tão vulnerável e desamparada, nunca morreram tantos policiais.
 
Esse modelo não é bom nem para as forças policiais, nem para as comunidades
 
pobres, nem para a população que está sendo criminalizada, nem para o
 
cidadão médio, mas deve estar sendo bom para alguém. Nos EUA, a indústria do
 
crime faz parte dos índices da economia, inclusive interferindo na Bolsa de
 
Valores. Parte das penitenciárias é privada e há pessoas lucrando muito com
 
isso. É um movimento auxiliar da concentração de renda e do capital
 
financeiro.
 


IHU On-Line - Quais os principais problemas do sistema penitenciário 
brasileiro?
 
Vera Malaguti Batista - Faço uma comparação com os anos 1930 nos EUA. Houve 
o grande craque da Bolsa, a chamada grande depressão, que gerou uma enorme
 
taxa de desemprego. O senso comum e a mídia da época, ou seja, o poder
 
daquela época apostava numa fórmula que era aumentar os impostos e diminuir
 
os gastos públicos. Quanto mais se fazia isso pior ficava a situação
 
econômica, a fome, o desemprego e a desesperança aumentavam. Quando
 
Roosevelt[5] assumiu a presidência, o partido comunista era forte nos EUA, e
 
ele tinha uma aliança com a esquerda. Foi ele quem propôs o New Deal[6], ou
 
seja, uma maneira exatamente ao contrário do que o senso comum dizia na
 
época. Ele começou a gastar mais, fazer mais investimentos públicos e
 
diminuir os impostos. Digo que temos de fazer o New Deal da questão criminal
 
que é justamente o contrário de tudo isso que está sendo dito por aí.
 
Zaffaroni, que é um grande jurista argentino, e hoje ministro da Corte
 
Suprema Argentina diz que na América Latina 70% da população carcerária
 
estão em prisão provisória, ou seja, são presos que não estão condenados. Há
 
diferenças estatísticas de um país para outro.
 
Lierar os presídios 
Temos que apostar em maneiras de tirar gente da prisão, de soltar pessoas. 
Prender menos, soltar gente que está presa, trabalhar e tratar melhor as
 
pontes de comunicação da população carcerária com seus familiares e com o
 
mundo de fora da prisão ao invés de apostar no corte das comunicações.
 
Apostar em mais comunicação, tratamento mais digno, mais garantias, mais
 
acesso à defesa. A Defensoria Pública de São Paulo foi criada há pouquíssimo
 
tempo, a maioria desses presos não tem acesso à defesa, o que é direito
 
deles. Também temos que inventar papéis mais bonitos, mais dignos para as
 
nossas forças policiais que não seja o de ser o exterminador e o caçador de
 
pobres e por último barrar, trabalhar em reformas legais na direção
 
contraria de aumento de penas, na direção de mais garantia, menos
 
penalização. Fiz a comparação com o New Deal só para mostrar que nós temos
 
que apostar no contrário de tudo isso que o senso comum, os interesses da
 
grande mídia e o oportunismo eleitoral estão propondo.
 


IHU On-Line - Por trás dos fatos de violência e mortes das últimas semanas 
haveria uma rebelião contra as condições em que vivem os presos?
 
Vera Malaguti Batista - O Brasil, 10 anos atrás, tinha cerca de 100 mil 
presos, hoje só em São Paulo são 140 mil presos. A cada mês entram 700 novos
 
condenados no sistema penitenciário, é obvio que essa situação é
 
“inadiministrável”. Na rebelião de 2001, que aconteceu em São Paulo, a
 
imprensa divulgou um retrato que mostrava que a maioria dos “líderes” do PCC
 
tinha entrado no sistema por pequenos delitos. Então, foi o nosso sistema
 
que produziu essas lideranças e essa organização que não existia. É uma
 
organização decorrente da nossa política penal e penitenciária. Isso que
 
está acontecendo é uma conseqüência de ações que envolvem essa aposta no
 
modelo norte-americano penitenciário, de criminalização da pobreza, nos
 
crimes hediondos. Parece-me que existe um “pacto” de não discutir o
 
fundamental, de só aprofundar o veneno que está produzindo isso tudo. É uma
 
rota suicida pelo que aconteceu e pela resposta que teve, nada indica que as
 
coisas vão melhorar.
 


IHU On-Line - E sobre as relações feitas com o narcotráfico e o crime 
organizado?
 
Vera Malaguti Batista - Não trabalho com nenhuma dessas duas categorias. 
Narcotráfico eu considero uma expressão norte-americana introduzida no
 
continente a partir dos anos 1980. No caso do Brasil, nós nem temos
 
narcóticos. Com relação ao crime organizado, nós também questionamos. O Raul
 
Zaffaroni, inclusive, tem um artigo na nossa revista chamado Crime
 
organizado, uma caracterização frustrada. Qualquer coisa, dizemos que é
 
crime organizado. São categorizações que não nos levam a nada, elas aumentam
 
o terror e dificultam o entendimento. Lembro que houve uma rebelião há uns
 
três ou quatro anos, num presídio chamado Urso Branco, no Acre. Os presos
 
decapitaram uma pessoa e jogaram a cabeça. É a única forma que eles têm de
 
aparecer se não ninguém discute sua situação. As condições são tão bárbaras
 
dentro das prisões que, com tudo isso, que aconteceu não houve ninguém
 
disposto a ir olhar e conversar com os presos, entender o que estava
 
acontecendo. Além de suicida é uma linha muito burra que aposta só no
 
autoritarismo e na repressão.
 


IHU On-Line - Considera que houve uma construção exagerada da imagem de 
Marcola como monstro ou algo assim?
 
Vera Malaguti Batista - Estamos tornando essas pessoas cada vez piores. Acho 
que o fato que aconteceu em São Paulo é gravíssimo, foi uma coisa
 
extremamente assustadora. Brutalizarmos, porém, mais o que ocorreu,
 
significa que, da próxima vez, pode ser pior ainda. Eu não quero diminuir o
 
que aconteceu, estou querendo que a gente entenda melhor o que aconteceu
 
para sairmos da linha burra. Qualquer um de nós que for jogado nesse sistema
 
penitenciário como está sendo concebido sairá de lá pior. Ninguém sai bonito
 
de lá, ninguém melhora.
 


IHU On-Line - Como podemos sair deste conflito? 
Vera Malaguti Batista - Falei brevemente do que eu chamo de New Deal da 
questão criminal. Seria criminalizar menos, fazer uma reforma penal que
 
garanta mais acesso a direitos com penas menos longas, é o contrário do
 
senso comum. Arrumar uma maneira de viabilizar a defesa aos presos
 
provisórios. Quem não tem que estar preso deve sair. Tratar melhor a
 
população penitenciária e seus familiares. Pensar maneiras melhores de
 
trabalhar as políticas de segurança pública que não seja pela violência e
 
pela brutalização contra as comunidades da periferia, mais ou menos o
 
contrário do que está sendo feito e discutido.
 


IHU On-Line - Há pessoas que relacionam, inclusive intelectuais o têm feito 
publicamente, a situação de violência com a necessidade de a população
 
portar armas, manifestada na vitória do “não” no plebiscito sobre
 
desarmamento. O que a senhora pensa sobre isso?
 
Vera Malaguti Batista - O plebiscito foi muito mal formulado. Eu não acho 
que tenha a ver com o não, inclusive porque o sim apostava em mais
 
criminalização. Esse foi um dos equívocos grandes do lado do sim. Enquanto
 
do lado do “não” não havia só conservadores e a extrema direita, várias
 
forças de esquerda também apoiavam essa postura. Nós na criminologia crítica
 
achamos que a proibição e a criminalização da venda, ou seja, tirar
 
legalidade seria um complicador a mais do problema, que é a mesma visão que
 
temos sobre a nossa política criminal de drogas. Proibir, tornar ilegal,
 
criminalizar aumenta o problema.
 
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[1] Zygmunt Bauman: sociólogo polonês, professor emérito nas Universidades 
de Varsóvia, na Polônia e de Leeds, na Inglaterra. Publicamos uma resenha do
 
seu livro Amor Líquido (São Paulo: Jorge Zahar Editores, 2004), na 113ª
 
edição do IHU On-Line, de 30 de agosto de 2004. Publicamos um entrevista
 
exclusiva com Bauman na revista IHU On-Line edição 181 de 22 de maio de
 
2006. (Nota da IHU On-Line)
 
[2] Eugênio Raul Zaffaroni: ministro da Suprema Corte Argentina. Ainda, é 
professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia
 
na Universidade de Buenos Aires, doutor honoris causa da Universidade do
 
Estado do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação Internacional de
 
Direito Penal. (Nota da IHU On-Line)
 
[3] Guantánamo: capital da província de Guantánamo, situada no sudeste de 
Cuba. Há 15km da cidade, foi implantada a base naval dos Estados Unidos da
 
América de Guantánamo. É no interior desta base que se encontra a prisão de
 
Guantánamo, medindo 117,6 km² e alugada pelo governo norte-americano por 4
 
085 dólares por ano. Desde janeiro de 2002, estão encarcerados nesta base
 
prisioneiros afegãos e iraquianos acusados de ligação com os grupos Taleban
 
e Al-Qaeda, em uma área excluída do controle internacional, concernando as
 
condições de detenção de seus prisioneiros. Segundo a Cruz Vermelha
 
internacional, esses prisioneiros seriam vítimas de tortura. (Nota da IHU
 
On-Line)
 
[4] Carandiru: nome popular da "Casa de Detenção de São Paulo", um complexo 
penitenciário que se localizava na zona norte da cidade de São Paulo, no
 
bairro de mesmo nome. Foi fundado na década de 1920. Já chegou a abrigar
 
mais de 7000 presos, sendo o maior presídio do Brasil e da América Latina.
 
Um dos fatos mais conhecidos da história do presídio ocorreu em 1992, quando
 
111 detentos foram mortos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo
 
durante uma rebelião. Esse fato teve grande repercussão nacional e
 
internacional. Em 2002, iniciou-se o processo de desativação do Carandiru,
 
com a transferência de presos para outras unidades. Hoje o presídio já se
 
encontra totalmente desativado e o prédio foi implodido. (Nota da IHU
 
On-Line)
 
[5] Franklin Delano Roosevelt: (1882-1945): 32º presidente dos Estados 
Unidos (1933-1945), o único a ser eleito mais de duas vezes presidente. É
 
considerada uma das figuras centrais da história do século XX. Foi um dos
 
presidentes mais populares da história americana, tendo emergido a nação da
 
grande depressão de 1930. (Nota da IHU On-Line)
 
[6] New Deal: nome dado às reformas executadas por Roosevelt nos EUA., a 
partir de 1933, que consagrava certa intervenção do Estado nos domínios
 
econômico e social. (Nota da IHU On-Line)
 








3 comentários:

  1. Essa entrevista me fez pensar sobre a Presunção de Inocência. O artigo 5o., inciso LVII, da Constituição Federal, dispõe que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória", constituindo-se como um principio basilar do Estado Democrático de Direito na tutela da liberdade.
    Um desdobramento desse principio é, no Direito Penal, o ônus da prova ser da acusação, ou seja, não é o individuo que deve provar sua inocência mas sim o Estado que deve provar a culpa daquele eis que intenta ferir seu direito fundamental, qual seja, a liberdade.
    Na pratica, a vida é mais complicada que isso. Seguindo o ditado popular de que "onde tem fumaça, tem fogo", o poder punitivo atua como regra, cabendo ao indiciado/acusado provar que "é trabalhador, tem bons antecedentes e nunca envolveu-se como praticas delitivas" (lembrando agora do meu tempo de estagio na Defensoria Publica).
    Essa situação se torna mais limítrofe quando o indiciado/acusado tem "aparência" de culpado, ou seja, quando se enquadra no esteriótipo de "criminoso": pobre, desempregado, morador da periferia, com antecedentes. Nesses casos, a condenação é dada antes mesmo que o crime seja praticado.
    Quando unimos esses dois aspectos, temos situações em que o poder incriminador primário (legislativo) cria o seguinte dispositivo:

    Artigo 28, lei 11.343 (Lei de Drogas)
    (...)
    § 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, AO LOCAL E AS CONDIÇÕES EM QUE SE DESENVOLVEU A AÇÃO, AS CIRCUNSTANCIAS SOCIAIS E PESSOAIS, BEM COMO A CONDUTA E AOS ANTECEDENTES DO AGENTE.(grifei)

    Ou seja, tendo sido apreendida droga com um sujeito agressivo, desempregado, com "passagem" pela policia e morador de um bairro conhecido como foco de venda de drogas, resta alguma duvida de qual vai ser seu enquadramento?
    E se, por outro lado, for encontrada uma quantidade drogas com um sujeito com ensino superior, de "boa familia", morador de um bairro nobre, educado e sem qualquer antecedente?
    Resta alguma duvida de como o poder punitivo enquadra cada um desses? E o principio da igualdade? E o principio da presunção de inocência?
    Devem ser só mais umas besteiras colocadas na dita Carta Magna...nao é?

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  2. Interessante a questão.

    O artigo 28,§ 2o tenta estabelecer critérios para diferenciar o porte de drogas para consumo pessoal do tráfico de drogas. A análise das circunstâncias sociais pode levar a uma situação realmente discriminatória.

    Sobre esse tema, assisti a uma palestra ano passado em que o palestrante (um defensor público) contava que por vezes ele tinha que tentar produzir prova no sentido de que seu cliente não era "tão pobre assim".
    Exemplificando: o sujeito é pego com certa quantidade de droga. Se é morador de bairro pobre etc, cria-se uma sensação de que se trata de crime de tráfico, pois ele não teria condições de comprar aquela quantidade simplesmente para consumir.
    De outro lado, se o acusado é alguém de melhores condições financeiras, há a possibilidade de a droga ser para consumo pessoal. O sujeito alega que queria fazer um "estoque" para não ter que ir comprar toda hora, mas era para consumo pessoal.
    Assim, narrava o defensor que por vezes ele tinha que tentar produzir prova no sentido de que o seu cliente não era tão pobre assim, ou seja, que era capaz (financeiramente) de manter um pequeno "estoque" de drogas para consumo pessoal.

    Parece bizarro ter que ir a juízo provar não ser pobre. Mas às vezes, como no caso, "ser rico" já pode ser uma tese de defesa.

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  3. Bastante curiosa a entrevista. Considerei particularmente intrigante o seguinte trecho: "Não trabalho com nenhuma dessas duas categorias. Narcotráfico eu considero uma expressão norte-americana introduzida no continente a partir dos anos 1980. No caso do Brasil, nós nem temos narcóticos. Com relação ao crime organizado, nós também questionamos". Surge, já pronto, um novo slogan: Brasil, o único país do mundo a estar livre de narcóticos e do crime organizado! Essa afirmação se sustenta ou integra o discurso por questões de conveniência?

    Em outra entrevista disponível na internet, a mesma entrevistada pretende indicar os grupos preferencialmente focados pelo sistema penal em cada região do mundo, assim, "[...] na Europa, são os imigrantes ilegais [...]". Imagino que o qualificativo "ilegal" não possui, no caso, qualquer significado digno de nota.

    Por fim, não conheço os pormenores da Lei de Drogas, tampouco a consulto para fazer o seguinte comentário, contudo, parece-me que a supressão do §2º do art. 28 da referida lei em nada alteraria a aplicação do tipo penal ao qual ele se refere, pois trata-se, em uma análise superficial, da positivação de referenciais extraídos da experiência. Caso não houvesse o referido dispositivo, o juiz não fundamentaria sua decisão justamente a partir de considerações acerca daqueles mesmos ítens constantes do §2º do art. 28 da Lei de Drogas? Se a resposta, ainda que positiva, considerar que uma decisão não poderia ter esse tipo de fundamentação (veja-se que estamos tratando de matéria probatória, relacionando-se, portanto, com fatos), então caberia perguntar de que modo poderia ser produzida prova da "finalidade de consumo pessoal". Caso não seja possível produzir essa prova, então risque-se esse ponto, tanto o §2º do art. 28 quanto o tipo penal ao qual ele se refere, da Lei de Drogas.

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