sexta-feira, 23 de março de 2012

Sobre o concurso de crimes no caso do rapaz que metralhou a plateia de um cinema em SP


   Muitos devem lembrar o caso do sujeito que entrou armado com uma metralhadora em um cinema em São Paulo e saiu atirando a esmo contra a plateia. Pois é. No cinema havia 66 espectadores, três deles morreram e quatro ficaram feridos.

 Imagem meramente ilustrativa 
   O caso foi julgado pelo Tribunal do Júri, sendo o acusado condenado à pena de 110 anos de reclusão em regime integralmente fechado (na época esse regime ainda não havia sido declarado inconstitucional). A juíza Presidente do Tribunal do Júri entendeu que os crimes foram cometidos em concurso material, ou seja, o agente teria praticado os delitos mediante mais de uma ação ou omissão. Quando assim ocorre, as penas são somadas, como determina o artigo 69 do Código Penal.
   A defesa recorreu alegando não se tratar de concurso material, mas sim de concurso formal próprio (quando o agente pratica apenas uma ação e dela resultam dois ou mais crimes), situação em que a pena deveria ser drasticamente reduzida, pois o critério deixa de ser o da soma das penas de cada crime, devendo o juiz aplicar somente a pena do crime mais grave e aumentá-la de 1/6 até 1/2.
   O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) acolheu o recurso da defesa, reduzindo a pena para 48 anos de prisão. A fundamentação apresentada pelo TJ/SP foi no sentido de que houve apenas um comportamento: o agente não escolheu vítimas, apenas saiu atirando aleatoriamente. Um importante elemento que levou a essa conclusão foi a marca de tiros nas paredes e nos assentos vazios. Assim, o TJ/SP entendeu inconcebível o reconhecimento do concurso material ou do concurso formal impróprio, no qual embora haja apenas um comportamento, há desígnios autônomos na prática dos crimes (com apenas uma ação o agente veicula “intenções criminosas” diversas), caso em que as penas também seriam somadas, tal como no concurso material.
   O Ministério Público recorreu ao STJ. Todavia, em sede de recurso especial não há como reavaliar as provas, o julgamento é apenas sobre questões de Direito (súmula 7/STJ), motivo pelo qual não pôde ser reapreciada a questão de ser caso de concurso material ou de concurso formal (próprio ou impróprio), mantendo-se o entendimento do TJ/SP, com a pena fixada em 48 anos de reclusão.
   A inovação através do recurso especial foi apenas a da adaptação do regime de cumprimento de pena, que até então estava fixado em integralmente fechado. Tendo em vista já ter o STF firmado entendimento pela inconstitucionalidade do regime integral (o que gerou, na sequência, alteração legislativa mais benéfica ao condenado), o STJ concedeu Habeas Corpus de ofício para fixar o regime em “inicialmente” fechado, e não mais em “integralmente”.
   Pois bem...
   Vocês concordam que o caso é realmente o de um concurso formal próprio (como decidiu o TJ/SP) ou é possível afirmar que havia “vontades autônomas” na produção dos resultados? Os “desígnios autônomos” do artigo 70 do Código Penal exigem dolo direto de produzir os resultados ou bastaria o dolo eventual?
   Alguém quer dar o seu pitaco?
   
   Link para a notícia completa e para o acórdão, publicados hoje no site do STJ:

Um comentário:

  1. Informativo 505 do STJ veio, posteriormente, trazer a resposta:

    DIREITO PENAL. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. DOLO EVENTUAL. Os desígnios autônomos que caracterizam o concurso formal impróprio referem-se a qualquer forma de dolo, direto ou eventual. A segunda parte do art. 70 do CP, ao dispor sobre o concurso formal impróprio, exige, para sua incidência, que haja desígnios autônomos, ou seja, a intenção de praticar ambos os delitos. O dolo eventual também representa essa vontade do agente, visto que, mesmo não desejando diretamente a ocorrência de um segundo resultado, aceitou-o. Assim, quando, mediante uma só ação, o agente deseja mais de um resultado ou aceita o risco de produzi-lo, devem ser aplicadas as penas cumulativamente, afastando-se a regra do concurso formal perfeito. Precedentes citados do STF: HC 73.548-SP, DJ 17/5/1996; e do STJ: REsp 138.557-DF, DJ 10/6/2002. HC 191.490-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/9/2012.

    ResponderExcluir

O espaço é aberto ao debate. Participe. Dê o seu pitaco. Exercite seu direito fundamental à liberdade de expressão. Aproveite que "dar pitacos" ainda não é fato gerador de tributo!