sexta-feira, 27 de julho de 2012

Salário-maternidade para o pai


   A Justiça Federal de Canoas (RS) concedeu a um pai, liminarmente, o direito de receber salário-maternidade. Assistido pela Defensoria Pública da União, o autor recorreu à Justiça após ter tentado, sem sucesso, obter o benefício junto ao INSS. Viúvo e com uma filha recém-nascida, o sujeito pretendia dedicar-se aos cuidados com o bebê após o falecimento da esposa, ocorrido cerca de 11 horas após o parto.
   Em razão da peculiaridade, transcrevo a decisão aqui no blog:


5008686-28.2012.404.7112/RS

DECISÃO (LIMINAR/ANTECIPAÇÃO DA TUTELA)

   Postula o autor, LCPP, o benefício de salário-maternidade, tendo em vista o óbito de sua esposa onze horas após o nascimento da filha do casal, KLVP, ocorrido em 01/03/2012.
   O benefício do salário-maternidade vem regulado no art. 71 da Lei 8213/91, o qual prevê como beneficiário apenas a mulher. 
   Esta, pois é a regra estabelecida para este benefício, não cabendo ao Judiciário alterá-la em situações normais.
   As regras devem ser obedecidas não apenas por serem regras, com fulcro na idéia de  autoridade.  No  ensinamento  de  Humberto  Ávila,  as  regras   também  têm  a  função  de pré-decidir  o meio de  exercício do poder.  Afastam a incerteza,  a falta de  resolução de  um conflito e evitam o surgimento do conflito moral, enfim, eliminam ou reduzem a arbitrariedade (in Teoria dos princípios. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 112-4).
   No entanto, em casos excepcionais, as regras podem ser superadas. Na visão do mesmo  doutrinador,  a  superação  da  regra  será  tanto  mais  flexível  quanto  menos imprevisibilidade, ineficiência e desigualdade a superação provocar. O afastamento da regra, pois, não poderá prejudicar a promoção da finalidade subjacente à regra, nem a segurança jurídica que suporta as regras, em virtude da pouca probabilidade de reaparecimento freqüente de situação similar,  por  dificuldade  de  ocorrência  ou  de  comprovação.  O  grau   de  resistência  da  regra depende do quanto a solução individualizada afeta a promoção da justiça para a maior parte dos casos, ou seja, deve ser observado o equilíbrio entre justiça geral e individual (Ávila, Humerto. Idem, pp. 114-20).
   No caso sob exame, estão presentes requisitos suficientes para flexibilizar a regra contida no art. 71 da Lei 8213/91.
   Com efeito, A família e a infância recebem proteção constitucional nos arts. 226 e 227, a qual abrange, no âmbito da Previdência Social, a proteção à maternidade, especialmente à gestante, na forma do art. 201, inc. II da Carta Política. 
   Portanto, a contingência social protegida pelo benefício não se limita ao risco de desemprego  da  gestante,  mas  se  estende  à  própria  maternidade,   'de  sorte  que  também  se encontra  aqui,  sob o  manto  da  proteção  previdenciária,  a  relação  maternal  e  a  própria infância,  indiretamente'   (FORTES,  Simone  Barbisan,  e  PAULSEN,  Leandro.   Direito  da Seguridade Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, pp. 149/150).

   Tanto é assim que a Lei n. 10.710/03, ao acrescentar art. 71-A à Lei 8213/91, ampliou o salário-maternidade às mães adotantes, 'o que demonstra ser o benefício uma forma de proteger a relação mãe-filho, portanto expressão da proteção à infância, tida como direito de atendimento prioritário pela Constituição Federal' (FORTES, Simone Barbisan, idem, p. 150).
   Ademais,  a  Constituição  Federal confere  igualmente  ao  homem e à  mulher  os direitos e deveres decorrentes da sociedade conjugal, dentre os quais a guarda e proteção dos filhos em comum (CF, art. 5º, inc. I; art. 226, § 5º).
   A hipótese veiculada nestes autos tem a nota da excepcionalidade suficiente para receber um tratamento individualizado: cuida-se de genitora que faleceu cerca de onze horas depois do parto,  sendo o benefício solicitado para o pai. Esse  benefício,  contudo,  como foi salientado,  não é  destinado apenas aos genitores,  mas também, e principalmente, ao recémnascido, para que em seu favor sejam concretizados os direitos inseridos no art. 227 do Estatuto Fundamental, especialmente o direito à vida, à saúde, à alimentação e à dignidade. É esta a finalidade  da  instituição do salário-família,  a  qual fica  prejudicada  em razão do falecimento prematuro da mãe.
Para que esta finalidade não recaia na inocuidade, impõe-se que seja conferida ao art.  71  da  Lei  8213/91  uma  interpretação  teleológica,  sistemática  e  consentânea  com  a Constituição Federal.
   O salário-maternidade proporciona à mãe a possibilidade de cuidar da criança em tempo integral, nos primeiros meses de vida, fator essencial ao seu desenvolvimento e à sua sobrevivência. Na falta da genitora, cabe ao pai prestar esse cuidado ao neonato, o que deve ser assegurado pelo Estado.
   A  concessão  do  benefício  ao  genitor,  neste  caso  específico, cumpre  aqueles requisitos para superação da regra: há excepcionalidade; a  finalidade inerente  à regra não é prejudicada, ao invés, é promovida; a medida não causa desigualdade em razão de sua pouca ocorrência, nem afeta o equilíbrio entre a justiça individual e coletiva. Vale dizer, o benefício segue em regra restrito às mulheres; apenas neste caso extraordinário é que pode ser alcançado ao genitor.
   Convém  ressaltar  que  a  especialidade  da  situação  é  corroborada  pela  escassa jurisprudência a respeito do assunto.
   O  requisito  urgência  resta  demonstrado  pelo  caráter  alimentar  do  saláriomaternidade, e pela necessidade premente de se proporcionar ao recém nascido o convívio com o genitor nos primeiros meses de vida.
   Nesse sentido, há decisão da 2ª Turma Recursal do Paraná concedendo ao pai viúvo o benefício: (...) (RECURSO CÍVEL Nº 5002217-94.2011.404.7016/PR, por maioria, julgado em 28/02/2012)
   Ante o exposto,  presentes os requisitos da  verossimilhança das alegações, bem como o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, defiro a antecipação da tutela e determinando ao INSS que, no prazo de 20 dias, implante o benefício de salário-maternidade em favor do autor.
   Requisite-se à AADJ Canoas a implantação do benefício deferido, no prazo de 20 dias. Desde já advirto que em caso de descumprimento da presente decisão, no prazo acima, fixo multa ao INSS, no valor de R$ 50,00 (cinqüenta reais) ao dia por descumprimento. Friso que não haverá nova intimação para cumprimento da decisão, no caso de transcurso do prazo.
   Cite-se  o INSS,  para  contestar,  no prazo de  30 dias,  ou formular  proposta  de acordo.
   Intimem-se desta decisão.
   Canoas, 10 de julho de 2012.
Rafael Martins Costa Moreira
Juiz Federal Substituto na Titularidade Plena



Um comentário:

  1. Não há dúvida de que esse juiz proferiu uma decisão fazendo justiça!
    O que me traz um desconforto (e não porque eu entenda que a atuação judicial deva pautar-se na estrita legalidade; ao contrário, por vezes deve sim ultrapassar os limites do texto da lei justamente para cobrir as lacunas que a legislação apresenta) é que não há previsão de que o salário maternidade seja devido aos pais, tampouco de que o beneficiário é a criança e não o próprio segurado.
    Acredito que o grande ponto para reflexão seja estender as garantias de salário maternidade, licença maternidade também aos pais.
    Uma licença paternidade mais estendida do que a que se tem hoje e eventual salário paternidade em situações específicas poderiam auxiliar a criar a cultura de pais participativos, que partilhem com as mães os primeiros meses de vida de seus filhos.

    ResponderExcluir

O espaço é aberto ao debate. Participe. Dê o seu pitaco. Exercite seu direito fundamental à liberdade de expressão. Aproveite que "dar pitacos" ainda não é fato gerador de tributo!